A violinista Gabriela Dalcom de Oliveira, 19, pregou um recado com letras coloridas na porta de casa. “Estou em reunião. Não faça barulho!!! #neojibaonline”. Em outro aviso, este para ela mesma, anotou os horários das aulas e ensaios e as tarefas que tinha para fazer. Há uma semana, Gabriela, da Orquestra 2 de Julho, e outros dois mil integrantes do NEOJIBA trocaram as atividades presenciais pelas virtuais, por conta da pandemia do novo coronavírus.
Os encontros estão acontecendo todos os dias, por meio das plataformas do NEOJIBA ONLINE, o mesmo que Gabriela marcou na hasthtag escrita no papel. “Esse isolamento tem sido um grande momento para colocar os pensamentos no lugar. E a música tem sido o meu remédio, o que me mantém sã. O NEOJIBA mantém uma chama acesa dentro da gente muito importante. Tem me dado esperança. Só tenho a agradecer por fazer parte do programa e saber que a gente não está sendo deixado de lado, sabe?”
As aulas on line individuais ou em pequenos grupos de alunos têm acontecido com mais frequência para ela e para os seus colegas de Orquestra, acostumados à prática musical coletiva e constante que norteia o NEOJIBA. “A gente tem o apoio dos professores, dos monitores e maestros, então dá para ir direto no problema”.
O maestro Helder Passinho, coordenador do Núcleo Central do NEOJIBA no Parque do Queimado, sede do programa, conta que deste modo é possível trabalhar com as necessidades técnicas específicas de cada integrante. “Com esse refinamento, a ideia é que o aluno consiga ir melhor no coletivo”.
E não vá pensar que essas aulas neste período de quarentena estão meio com cara de férias. Apesar das atividades à distância serem ainda novidade para alguns, Passinho explicou que a orientação é seguir a rotina como se cada um estivesse indo presencialmente ao seu núcleo. “Estamos cobrando tudo, desde a vestimenta. Não é porque estão em casa que vão poder assistir aula sem camisa, por exemplo, ou com aquela cara de quem acabou de acordar. O comportamento e o compromisso têm que ser os mesmos. O ritmo de trabalho continua intenso”.
E os ensaios com todo mundo junto, apesar de terem diminuído, ainda continuam. O primeiro deles aconteceu na quinta-feira passada, no dia 19 de março, sob comando do maestro Ricardo Castro, fundador e diretor-geral do NEOJIBA. O encontro correu o mundo e foi citado como um bom exemplo, nesse período de pandemia, pelo Beethoven Pastoral Project, sediado em Bonn, na Alemanha, mesma cidade que Beethoven nasceu, há 250 anos. O projeto reúne artistas e organizações culturais de várias partes do mundo, como o NEOJIBA, promovendo o encontro da arte com o meio ambiente.
Pés no chão
Companheiro de violino de Gabriela na Orquestra 2 de Julho, George Lavigne, 26, também participou do ensaio virtual. Ele optou por manter, em casa, os mesmos horários das atividades que realizava presencialmente no Parque do Queimado. “Continuo estudando a manhã toda. E aí de tarde, fico vendo o violino e não consigo ficar longe. Toco mais umas horas, paro, descanso, volto… E assim vou levando os dias”.
O isolamento tem deixado George um tanto ansioso, como muita gente ao redor do mundo, mas ele tem um recurso extra – e privilegiado – para lidar com isso. “O que tem aliviado esse sentimento claustrofóbico tem sido tocar, estudar, manter o instrumento sempre em dia. É como um refúgio. Tem me deixado mais calmo, mais centrado. A música tem o poder de nos manter com os pés no chão. E, em outros momentos, de tirar nossos pés do chão”.
Lívia Silva, 18, que toca fagote na Orquestra Castro Alves (OCA) também está reparando, mais do que nunca, nesse efeito também terapêutico da música. “Não está sendo fácil ficar em casa, estou bem impaciente. Mas como a música pode também acalmar, quando eu fico muito estressada eu vou tocar, escutar uma música, e fico mais relaxada”. A proximidade com os amigos faz falta, é verdade, mas Lívia sabe que não pode deixar de tocar até reencontrar-se pessoalmente com eles. “Se não tocar, quando voltar está toda enferrujada”.
Quem canta…
E a voz, também enferruja? A resposta nem importa tanto assim, porque os coros do NEOJIBA nem estão dando a chance de que isso aconteça. A maestrina Lucie Barluet conta que as atividades estão acontecendo todos os dias. Nos encontros do Coro Juvenil, eles organizam o trabalho, tiram dúvidas, fazem aquecimento vocal e, claro, se veem uns aos outros, que isso é importante demais também. “Depois, os integrantes me mandam vídeos ou áudios das atividades e eu faço comentários e correções. É tudo muito diferente, por isso precisamos nos organizar bem”.
Lucie está dando um pequeno desconto nos vídeos que recebe porque alguns integrantes têm uma certa vergonha de cantar em casa. “O trabalho enviado algumas vezes não é representativo do talento deles”. Ela também está sentindo falta de improvisar, como costumava fazer presencialmente. “É uma coisa que adoro fazer durante minhas aulas, sentindo a energia do grupo. Mas existem vantagens. Estamos seguindo todos de maneira muito pessoal, o que com os 55 integrantes juntos nem sempre é possível”.
De um jeito ou de outro, Lucie está encontrando maneiras de juntar o que está, temporariamente, separado. Ela está fazendo montagens com os vídeos enviados pelos alunos, como este aí de Trem das Onze, que logo no comecinho anuncia: “Não posso ficar / Nem mais um minuto com você / Sinto muito amor / Mas não pode ser”.
A letra vem a calhar nesses tempos. “Como os integrantes, estou sentindo falta de ver pessoas, sair de casa para fazer esporte no ar livre… Mas sei que é muito importante, e primordial, que fiquemos em casa. A saúde de milhões de pessoas está em jogo, e nós precisamos dar o exemplo”, diz Lucie.
Ricardo Castro, diretor-geral do NEOJIBA, diz que os coordenadores pedagógicos, maestros e outras pessoas da equipe passaram por treinamento para utilizar as plataformas para que os integrantes continuem estudando e ensaiando. Nessa primeira semana, um alerta: “Não dá para relaxar, precisamos continuar praticando e estudando para que quando as aulas presenciais voltarem todos estejam preparados”. E disse ainda algo que todos os neojibenses concordam: “Até online, o NEOJIBA faz sentido”.
Sobre o NEOJIBA
Criado em 2007 pelo pianista e maestro baiano Ricardo Castro, o NEOJIBA (Núcleos Estaduais de Orquestras Juvenis e Infantis da Bahia) promove o desenvolvimento e integração social prioritariamente de crianças, adolescentes e jovens em situações de vulnerabilidade, por meio do ensino e da prática musical coletivos. O programa é mantido pelo Governo do Estado da Bahia, vinculado à Secretaria de Justiça, Direitos Humanos e Desenvolvimento Social e gerido pelo Instituto de Desenvolvimento Social Pela Música.
Em 12 anos de atuação, o NEOJIBA atendeu, direta e indiretamente, mais de 10 mil crianças e jovens entre 6 e 29 anos. As apresentações das suas quatro formações orquestrais e dos seus núcleos de prática musical já foram vistas por mais de 830 mil pessoas no Brasil e no exterior.