No Brasil, o câncer de próstata é o segundo mais comum entre os homens, atrás apenas do câncer de pele não-melanoma. Mas todos os pacientes acometidos pela doença necessitam de intervenção cirúrgica e tratamentos radioterápicos? A vigilância ativa no câncer de próstata – um conceito originalmente desenvolvido e aplicado em meados da década de 2010 no Canadá – é uma prática que vem ganhando terreno em casos de tumores de baixo risco. Ela envolve um rigoroso monitoramento do paciente, mas sem que se faça de imediato uma cirurgia para retirada das lesões e radioterapia. A vigilância ativa vem ajudando a diminuir aquilo que os especialistas chamam de excesso de diagnósticos e tratamentos, isto é, a realização de intervenções desnecessárias ou que podem ser adiadas para momentos mais oportunos.
O câncer de próstata pode se apresentar de diferentes formas. Em alguns homens, a doença é mais agressiva e muitas vezes diagnosticada em estágios avançados, inclusive com metástases, ou seja, depois de ter se espalhado para outras áreas do corpo, principalmente nos ossos. Nesses casos, a intervenção para remover o tumor não pode demorar.
No entanto, cerca de 30% dos tumores são diagnosticados em uma fase em que não trazem risco de morte ou de graves complicações. “Nesse momento, a doença é classificada como indolente, ou seja, as lesões oncológicas, embora já existentes, não se desenvolvem, como se estivem dormentes. É para esses pacientes que a vigilância ativa é indicada, preservando-os de possíveis efeitos colaterais dos tratamentos cirúrgicos ou radioterápicos: a incontinência urinária e a impotência sexual”, explica o médico Fernando Cutait Maluf, diretor Médico Associado do Centro de Oncologia e Hematologia da BP – A Beneficência Portuguesa de São Paulo. Apesar dos avanços que vêm aumentando a eficácia dessas terapias e reduzindo a ocorrência de efeitos colaterais, ainda assim pode haver impactos para a qualidade de vida dos homens, particularmente aqueles ainda em fase econômica e sexualmente ativa.
Critérios rigorosos
Atualmente adotada nos principais centros de referência oncológica, como a BP, a vigilância ativa segue critérios científicos rigorosos. Quando a doença é diagnosticada por meio da biópsia, também é feita a estratificação da enfermidade para identificar o grau de gravidade: muito baixo risco, baixo risco, risco intermediário ou alto risco. Para isso, são analisados 12 fragmentos de tecidos extraídos de diversos locais da próstata e avaliada a porcentagem de infiltração do câncer em cada um deles.
Pacientes enquadrados na categoria de muito baixo risco (comprometimento em até três fragmentos que não superam 50% de infiltrações) são indicados para vigilância ativa, ou seja, apesar de não ser prescrito nesse momento inicial qualquer tratamento intervencionista, eles são inseridos em protocolos de acompanhamento, com prazos periódicos de retorno ao médico e realização de exames.
“Os protocolos podem variar nas instituições médicas que os adotam e os customizam. Todavia, alguns pontos são comuns como a realização, no primeiro ano do diagnóstico, de exame de antígeno prostático específico (PSA) e retorno ao médico a cada três meses; toque retal a cada seis meses; e pelo menos um exame de ressonância magnética da próstata no ano, um exame fundamental para indicar o potencial de agressividade da doença. As biópsias são repetidas a intervalos de seis a doze meses. A partir dos anos seguintes, os protocolos variam nas recomendações temporais”, afirma Maluf.
Segurança garantida
Estudos científicos já atestaram a segurança da vigilância ativa, comprovando que não há riscos em adiar a cirurgia ou a radioterapia para momentos mais adequados, ou seja, quando ocorrem os primeiros sinais de progressão da doença caracterizada pelo desenvolvimento lento. A base dessa proteção é a adesão rigorosa ao protocolo de acompanhamento da evolução ou não do tumor.
“Apesar de seguro e eficaz, de 20% a 25% dos pacientes que entram nesse protocolo acabam abandonando-o. Por questões relacionadas ao estresse e à ansiedade, preferem antecipar as intervenções terapêuticas mesmo sem nenhuma manifestação de progressão”, alerta o médico da BP. Mas outros números podem ser usados para argumentar contra essa decisão: quase 50% dos pacientes que permanecem no protocolo se mantêm em seguimento por cerca de 10 anos sem necessitar de cirurgia ou radioterapia.
“Isso nos permite compreender porque a vigilância ativa vem se consolidando como mais uma poderosa opção para o enfrentamento do câncer de próstata à disposição dos pacientes. Mas são eles, sempre, que têm a última palavra e definem como querem e preferem ser tratados”, finaliza Fernando Maluf.