Apesar do veto do presidente Jair Bolsonaro ao trecho de uma lei que previa oferta gratuita de absorventes e demais cuidados básicos de saúde menstrual, ao menos 13 Estados e o Distrito Federal já contam com projetos para distribuição do item para estudantes e mulheres em situação de vulnerabilidade. Sergipe e Tocantins também estão elaborando propostas.
Conforme levantamento feito pelo Estadão com os governos estaduais, iniciativas começaram a ser anunciadas em meados de maio, como no Maranhão. Algumas são focadas em estudantes e outras incluem mulheres que estão no sistema prisional. Em São Paulo, o programa Dignidade Íntima está prestes a completar quatro meses e contou com investimento de R$ 30 milhões para este ano, o suficiente para compra de 50 milhões de absorventes, segundo o Secretário de Estado da Educação Rossieli Soares.
“Antes, tínhamos a diretora comprando do bolso para casos de emergência, as colegas que levavam um a mais na bolsa para ajudar quem precisasse. Pegamos essas experiências e transformamos em uma política pública, colocando recursos porque esta é uma questão que interfere na aprendizagem por causa das faltas. É um prejuízo educacional imenso.”
Soares acredita que o Senado vai derrubá-lo. “É um absurdo. O governo federal se furtou de participar da discussão quando estava no Congresso e acabou vetando. O investimento é necessário e vale a pena, especialmente para as meninas da educação básica”, diz ele, que integra a gestão João Doria (PSDB).
Senadores já sinalizaram que devem se mobilizar para derrubar o veto do presidente à entrega gratuita de absorventes para estudantes de baixa renda e mulheres em situação de rua. A apoiadores, Bolsonaro afirmou que foi “obrigado a vetar”, porque a proposta não informava a fonte de custeio para o programa e, caso a sancionasse, poderia ser enquadrado por crime de responsabilidade.
Diretora da Escola Estadual Heckel Tavares, no Jardim Helena, na zona leste da capital, Jucilane de Araújo Freitas comemorou o lançamento do programa, porque já acompanhava a situação de alunas que faltavam no período menstrual ou que improvisavam absorventes com pedaços de papel higiênico ou tecido. “A gente vinha nessa luta, sempre com um pacotinho de reserva na escola, mas temos 453 meninas aqui. Muitas em situação de extrema pobreza. Recebo relatos de mães que cortam camisetas, pegam calcinhas velhas para transformar em absorvente para as filhas. Quando a gente está em comunidade de extrema pobreza, a jovem vai usar o pano, porque a família precisa comprar o ovo.”
Com o repasse de cerca de R$ 12 mil, a escola tem agora o item de higiene nos banheiros e todas as alunas estão recebendo. Trabalhos de orientação também foram realizados na unidade.
“O grêmio estudantil participou e tivemos uma fala. Não é para esconder como se fosse proibido, absorvente é uma coisa normal, que faz parte da rotina. Reunimos as turmas aos poucos, os professores foram passando informações para meninas e meninos. Eles têm de entender que as mães, as irmãs e as mulheres com quem eles vão se casar menstruam. A menstruação é um ciclo e as mulheres não estão fazendo nada de errado, faz parte da biologia. O menino precisa ter o olhar de que não pode fazer bullying quando manchar a calça da menina, não pode tratar como se ela estivesse suja naqueles dias.”
O projeto agora evita que a estudante Brendha Ervelin de Oliveira, de 14 anos, e a irmã Bianca, de 11 anos, percam aulas. “Estava muito difícil, porque não tinha como eu vim para a escola. O preço aumentou muito. Eu tinha vergonha de vir para a escola. Às vezes, minha mãe pedia emprestado para eu poder estudar. Não era só eu que estava precisando. Agora, tem na diretoria e nos banheiros. Não tem como faltar na escola.”
A entrega foi um alívio para a mãe das garotas, a auxiliar de produção Ednalda Maria da Silva, de 33 anos, que está desempregada. O marido é pedreiro e está com dificuldades para encontrar serviço. “Vejo alegria no olhar. Elas não ficam mais constrangidas. Quando a menstruação vem, o absorvente já está em casa disponível.” Ela acredita que a iniciativa vai ajudar as filhas a continuar os estudos. “Estudei até a oitava série e meu marido até o quarto ano. As meninas estão caminhando.” Brendha ainda está escolhendo qual carreira vai seguir no futuro. “Estou no nono ano e quero ser advogada ou cirurgiã.”
Informações
Além de São Paulo, Acre, Amazonas, Bahia, Ceará, Distrito Federal, Goiás, Maranhão, Minas Gerais, Pará, Paraíba, Pernambuco, Rio de Janeiro e Santa Catarina já têm projetos em andamento sobre o tema. Tocantins e Sergipe ainda discutem a política. Alagoas, Mato Grosso do Sul e Rondônia não contam com a iniciativa. Os demais Estados não responderam a solicitação da reportagem sobre o assunto.
No Distrito Federal, a campanha “Dignidade Feminina – Da transformação de meninas a mulheres: mais cidadania e menos tabu” será lançada no próximo dia 18 com rodas de conversa nas escolas, capacitação de profissionais de saúde e educação, distribuição de cartilhas e estímulo a doações. A meta é transformar a iniciativa em lei.
“A arrecadação dos kits de higiene será feita em ação integrada entre poder público, iniciativa privada, sociedade civil, empresas atacadistas de supermercado e redes de farmácias do Distrito Federal. Com essa iniciativa, esperamos contribuir para a implementação de uma lei distrital sancionada este ano e que trata do acesso de mulheres em vulnerabilidade a absorventes”, diz Marcela Passamani, secretária de Justiça e Cidadania do DF, da gestão Ibaneis Rocha (MDB).
No Acre, um projeto de lei para a oferta na rede pública de ensino foi aprovado pela Assembleia e aguarda definição do governador Gladson Cameli (PP). “Após sanção, a secretaria procederá com a aquisição do produto e posterior distribuição”, disse a Secretaria de Comunicação.
O Programa Dignidade Menstrual, na Paraíba, foi sancionado pelo governador João Azevêdo (Cidadania) no mês passado e vai beneficiar mulheres, meninas e homens trans de baixa renda, que terão acesso a absorventes, coletores menstruais e calcinhas absorventes.
Estados baixam normas
Em Minas Gerais, uma norma foi promulgada no início do mês passado e inclui mulheres que estão no sistema prisional. “O tema da pobreza menstrual já vem sendo trabalhado antes da promulgação legal, por meio de projeto de fabricação de absorventes pelo Departamento Penitenciário”, diz o texto. E acrescenta: “Com relação à distribuição de absorventes a unidades prisionais e socioeducativas, a Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp) informa que os absorventes são enviados para as unidades prisionais e socioeducativas trimestralmente ou sob demanda de cada unidade”. “As unidades masculinas também recebem os itens para que sejam utilizados quando alguma visitante solicitar.”
Em Tocantins, o programa Novo Tempo está sendo elaborado e também vai contemplar presidiárias, que ficaram encarregadas de produzir os absorventes.
O mesmo acontece em Santa Catarina, onde o governo prepara também uma lei para combater a pobreza menstrual. “Um esforço necessário”, diz governador Carlos Moisés (sem partido). A proposta, que está sendo elaborada pela Casa Civil, deve ser apresentada na Assembleia nos próximos dias – mas, antes que isso ocorra, uma licitação para comprar 600 mil absorventes já foi concluída.
A ação, segundo o governo, vai ocorrer em parceria com a Secretaria de Educação no programa assistencial que busca elevar o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) em 61 municípios catarinenses mais carentes.
Falta de acesso
“A pobreza menstrual é um fato reconhecido pela Unicef (braço das Nações Unidas)- e ela afeta diretamente meninas e mulheres que não têm condições financeiras de acesso à higiene menstrual”, destaca o governador Moisés. “Na educação, esse problema muitas vezes se reflete na frequência escolar das estudantes”, afirmou o governador ao Estadão.
Os 600 mil absorventes – fruto de um total de R$ 813,7 mil de investimentos feitos no programa – poderão atender cerca de 15% das alunas da rede pública de ensino. Entre os resultados destacados pelo governador Moisés está também o combate à evasão escolar causado pela pobreza menstrual. “Facilitar o acesso delas a absorventes é um esforço necessário para mudar essa situação”, emendou.
Na esfera municipal, as prefeituras que compõem a Grande Florianópolis são pioneiras. São José foi o segundo município do País a aprovar uma lei para distribuição gratuita de absorventes. Mas falta decreto para regulamentar a medida. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.