É possível acompanhar diariamente o aumento no número de vacinados contra a Covid-19 no Brasil. O País ultrapassou a marca dos 60 milhões de habitantes que receberam as duas doses, o que representa quase 30% da população. E é neste cenário, onde também contamos com a variante Delta, que surge o debate sobre os desafios da imunização – e entre eles, a aplicação das vacinas em crianças e adolescentes.
Para esclarecer algumas dúvidas sobre esse assunto, conversamos com o médico sanitarista e professor de Saúde Pública e de Epidemiologia do Centro Universitário São Camilo, Sérgio Zanetta:
Considerando a situação atual, vacinar as crianças deve ser uma prioridade?
A vacina tem um principal fundamento. Ela é produzida para, em primeiro lugar, evitar mortes e, em segundo lugar, evitar casos graves de sofrimento, de utilização, sobrecarga e colapso do sistema de saúde. E em terceiro lugar, atuar sobre a transmissão. As vacinas são capazes de diminuir a transmissão da Covid, mas não de impedi-la. Pessoas vacinadas podem contrair Covid e transmitir o vírus a outras pessoas. O que a vacina faz é diminuir muito os casos graves e óbitos.
Nós temos, portanto, prioridade com os grupos que têm maior vulnerabilidade e maior status de mortalidade e agravamento, ou seja, os mais velhos, com comorbidades e assim progressivamente.
O curso das idades da vacinação segue essa prioridade epidemiológica, que é ligada à gravidade. Os adolescentes têm poucos casos graves, e as crianças menos ainda, então a prioridade continua sendo imunizar as faixas etárias mais vulneráveis, que podem desenvolver casos mais graves.
Descobertas recentes indicam que nós não temos a persistência da imunidade produzida pela vacina por muito tempo, então, nós provavelmente teremos que fazer uma dose de reforço para essas pessoas antes do ano que vem. Essa terceira dose já foi anunciada pelo Ministério da Saúde e por alguns estados, para o público com 70 anos ou mais e para pessoas imunossuprimidas.
É evidente que, feito esse reforço, essa terceira dose deverá se estender a todos os idosos e, em seguida, será necessário vacinar novamente os profissionais da linha de frente, para não perder o trabalho dessas pessoas em caso de emergência. Isto porque nós vimos esse processo acontecer em outros países, como Estados Unidos, Inglaterra e Israel, por conta da variante Delta.
Isso já acontece no Rio de Janeiro, onde 50% das variações genômicas indicam a presença da variante Delta. Ela já está entre nós em todos os estados, e é questão de tempo até que ela se torne prevalente. Hoje nós estamos colhendo um bom resultado da alta vacinação de idosos, desse caminho por faixa etária e morbidade, que tem diminuído drasticamente as internações e óbitos.
Então quais devem ser os pré-requisitos para chegar à fase de vacinar crianças?
Para responder à questão: as crianças ainda não têm vacinas aprovadas para o seu uso. É possível que as crianças sejam vacinadas a partir de 2022. Nesse momento, nós temos previsão de vacinas para vacinar pessoas acima de 18 anos e parte dos adolescentes. Temos vacinas para isto, mas a grande prioridade, com as evidências disponíveis, é fazer uma dose de reforço na população mais vulneráveis. É isso que vai impedir a terceira onda de óbitos e internações no Brasil.
Em um cenário futuro, em 2022, podemos supor que o restante da população também vai precisar da terceira dose?
É possível e é provável. A grande questão é que a prioridade é de quem é muito vulnerável. Porque com duas doses já se garante um grau importante de proteção. Vamos precisar manter o processo de vacinação, ampliá-lo e, provavelmente, em 2022, vacinar as crianças pequenas com o imunizante que se mostrar mais seguro para essas faixas etárias.
Já que a vacina exerce menos influência sobre a disseminação do vírus, o que podemos concluir a respeito da exigência de um “passaporte de vacina” para participar de eventos, conforme foi determinado por decreto na cidade de São Paulo?
A definição de algo como um “passaporte” para vacina em São Paulo, particularmente para quem tomou apenas uma dose do imunizante, só tem sentido do ponto de vista político. Não faz sentido no ponto de vista científico ou clínico.
Primeiro, porque todas as evidências indicam que mesmo com duas doses, há transmissão da Covid. Quem está totalmente vacinado pode contrair e transmitir a doença, mas provavelmente não terá um caso mais grave. Em segundo lugar, quem só recebeu a primeira dose perderá muito rapidamente a proteção e, neste momento, não está protegido. É um equívoco igualar o perfil imunológico das pessoas vacinadas com duas doses e aqueles que não tem sequer imunização. Uma dose é só o começo desse processo.