Desde 2014, a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), em parceria com o Conselho Federal de Medicina (CFM), organiza nacionalmente o Setembro Amarelo. O dia 10 deste mês é, oficialmente, o Dia Mundial de Prevenção ao Suicídio, mas a campanha acontece durante todo o ano. O trabalho surgiu para disseminar informações que podem auxiliar a sociedade a desmitificar o tabu em torno do assunto e ajudar médicos a identificar seus fatores de risco, tratar e instruir seus pacientes.
São registrados cerca de 12 mil suicídios todos os anos no Brasil e mais de um milhão no mundo. Trata-se de uma triste realidade, que registra cada vez mais casos, principalmente entre os jovens. Cerca de 96,8% dos casos de suicídio estavam relacionados a transtornos mentais. Em primeiro lugar está a depressão, seguida do transtorno bipolar e abuso de substâncias.
Mas, afinal, o que leva uma pessoa a pensar em suicídio ou a chegar a cometê-lo? Segundo a ABP, “o suicídio pode ser definido como um ato deliberado, de forma consciente e intencional, usando um meio que ele acredita ser letal”.
“O comportamento suicida vai num crescente que envolve desde pensamentos até planos e a tentativa de suicídio. Trata-se de uma complexa interação de fatores psicológicos e biológicos, inclusive genéticos, culturais e socioambientais. Sendo assim, o pensamento suicida deve ser considerado como o desfecho de uma série de variáveis que se acumulam na história do indivíduo, não podendo ser levado em conta apenas determinados acontecimentos pontuais de sua vida”, afirma a psiquiatra Dra. Danielle H. Admoni, especialista pela ABP e psiquiatra geral da Unifesp.
Mitos sobre o comportamento suicida
Erros e preconceitos vêm sendo historicamente repetidos, contribuindo para a formação de um estigma em torno da doença mental e do comportamento suicida. “O estigma resulta de um processo em que as pessoas passam a se sentir envergonhadas, excluídas e discriminadas”, reforça Danielle. Para auxiliar o entendimento e desmitificar o tabu em torno do assunto, a ABP listou os principais mitos acerca do comportamento suicida:
O suicídio é uma decisão individual, já que cada um tem pleno direito a exercitar o seu livre arbítrio
Falso. Os suicidas estão passando quase invariavelmente por uma doença mental que altera, de forma radical, a sua percepção da realidade, interferindo em seu livre arbítrio. O tratamento eficaz da doença mental é o pilar mais importante da prevenção do suicídio.
Quando uma pessoa pensa em se suicidar, terá risco de suicídio para o resto da vida
Falso. O risco de suicídio pode ser eficazmente tratado e, após isso, a pessoa não estará mais em risco.
As pessoas que ameaçam se matar só querem apenas chamar a atenção
Falso. A maioria dos suicidas fala ou dá sinais sobre suas ideias de morte. De alguma forma, boa parte dos suicidas expressou seu desejo de se matar, seja para médicos, familiares ou amigos.
Se uma pessoa que pensava em suicidar-se, em um momento seguinte passa a se sentir melhor, significa que o problema já passou
Falso. Se alguém cogitou o suicídio, mas depois aparenta estar tranquilo, não significa que tenha desistido da ideia. Uma pessoa que decidiu suicidar-se pode se sentir aliviado simplesmente por ter tomado a decisão de se matar, passando aos outros a impressão de que já está tudo bem.
Quando um indivíduo mostra sinais de melhora ou sobrevive a uma tentativa de suicídio, está fora de perigo
Falso. Um dos períodos mais perigosos é quando se está melhorando da crise que motivou a tentativa, ou quando a pessoa ainda está no hospital, após uma tentativa felizmente fracassada. A semana que se segue à alta do hospital é um período em que a pessoa está particularmente fragilizada. Como um preditor do comportamento futuro é o comportamento passado, a pessoa suicida, muitas vezes, continua em alto risco.
Não devemos falar sobre suicídio, pois isso pode aumentar o risco
Falar sobre suicídio não aumenta o risco. Muito pelo contrário. Falar com alguém sobre o assunto pode aliviar a angústia e a tensão que esses pensamentos trazem.
Sinais sutis que merecem atenção
Para a Dra. Cristiane Romano, fonoaudióloga, mestre e doutora em Ciências e Expressividade pela USP; algumas situações simples do dia a dia podem sinalizar que uma pessoa precisa de ajuda. “O sofrimento causado pela ansiedade social, por exemplo, afeta negativamente a vida do indivíduo, fazendo com que qualquer interação signifique um tormento à pessoa”.
O grande problema, segundo a fonoaudióloga, é confundir esse tipo de comportamento com uma simples timidez. “Já atendi muitos pacientes com dificuldade para falar em público, ou até mesmo para se socializar, e, ao longo do tratamento, foi constatado que o problema era bem mais grave do que um simples bloqueio de comunicação. Nestes casos, a orientação é buscar apoio psicológico e/ou psiquiátrico”, conta Cristiane Romano.
Segundo ela, um aspecto de comportamento que pode desencadear transtornos mais graves é o medo de não ser aceito. “A pessoa que é extremamente insegura tem medo de não ser aceita pelo grupo, de falar alguma bobagem ou ter algum comportamento fora do padrão. A possível rejeição de quem está a sua volta já é o suficiente para fazer com que a pessoa comece a duvidar de si mesma. Para não ser excluída, ela se retrai, já prevendo que será avaliada negativamente. Daí a importância de obter um apoio terapêutico, evitando a evolução de um quadro cada vez mais crítico”, orienta Cristiane.
“Vale lembrar que as Unidades de Urgência e Emergência (geral e/ou psiquiátrica), os Serviços Especializados e outros são de fundamental importância para os indivíduos que estão em situação de crise. Portanto, ao menor sinal de alterações no comportamento compatíveis às características citadas acima, é imprescindível buscar ajuda médica o mais rápido possível”, alerta a psiquiatra Danielle H. Admoni.