O Brasil pós-Michel Temer, caso o presidente seja afastado ou renuncie, é uma zona cinzenta. As duas hipóteses ganharam força após o empresário Joesley Batista acusá-lo de saber que Eduardo Cunha (PDMB-RJ) ganhava mesada dele, dono da marca JBS, para ficar em silêncio na prisão.
A eleição seria indireta, e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), assumiria o cargo. Sabe-se esse tanto.
Especialistas divergem sobre outros pontos nevrálgicos deste pleito hipotético, já que a Constituição não especifica se as regras das eleições gerais devem valer para uma votação indireta.
Um dos tabus jurídicos: quem está apto a ser candidato. Um juiz -Sergio Moro, digamos- pode, por exemplo?
Isso não está claro, diz Daniel Falcão, professor do Instituto de Direito Público. Ele entende que a norma para pleitos gerais deve preencher o vácuo constitucional. “E isso prejudica a chance de um magistrado porventura ser candidato.”
Para ser elegível em condições normais, segundo lei complementar de 1990, um integrante do Judiciário tem que sair do cargo seis meses antes da votação -Joaquim Barbosa era habitué no bolão de presidenciáveis de 2014, mas se aposentou do Supremo Tribunal Federal) depois do prazo.
Professor de direito da USP, André Ramos Tavares acha que “o figurino comum não se aplica a exceções”, logo um juiz poderia, em tese, se candidatar.
Zela o “figurino comum” que um aspirante à Presidência precisa se filiar a um partido ao menos um ano antes das urnas, ter 35 anos ou mais e ser brasileiro de nascença ou naturalizado, entre outros pré-requisitos. Por não ser “uma eleição para a sociedade”, Tavares crê que a propaganda eleitoral não faz sentido na prática. A teoria não está posta.
Caso Maia assuma o Planalto, terá até 30 dias para evocar uma sessão bicameral na qual os 513 deputados e 81 senadores elegeriam o novo presidente do Brasil, em voto aberto (como era na ditadura militar).
Outro buraco, segundo Walber de Moura Agra, autor de “Temas Polêmicos do Direito Eleitoral”: “Para dar mais legitimidade, o eleito deveria contar com quórum de maioria absoluta”, ou seja, mínimo de 41 senadores e 257 deputados. “Mas a Constituição não prevê nada, nada, nada”, diz. Caberia ao Congresso definir os parâmetros da seleção.
A Presidência poderia até acabar com a presidente do STF, em outro imbróglio jurídico. Primeiro e segundo na linha sucessória presidencial, Maia e o presidente do Senado, Eunício Oliveira (PDMB-CE), são investigados pela corte que Cármen Lúcia preside –a mesma que, em dezembro, definiu que réus em ação penal não podem ocupar o Planalto. A dupla ainda não é ré, só investigada.
“Se o procurador-geral entender que é o caso de denunciar, e Supremo entender que é [o tema] urgente, Cármen pode convocar sessões extraordinárias. Mas [ministros do STF] podem pedir vista. Sabemos que esse dispositivo tem sido usado como ato de não decisão”, diz o professor Tavares.
A entusiastas das Diretas Já resta torcer por uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição) para estabelecer um pleito popular em caso de vacância presidencial -já há uma sugerida pelo deputado Miro Teixeira (Rede-RJ). A tramitação de textos afins costuma ser lenta, mas poderia ser acelerada por pressão popular.
PERGUNTAS E RESPOSTAS
Como seria eventual pleito para substituir Temer? O que acontece se Michel Temer cair?
Nos dois anos finais do mandato, a Constituição prevê eleição indireta em caso de dupla vacância, ou seja, queda do presidente e do vice por renúncia, afastamento ou morte.
Quem assumiria a Presidência?
O primeiro na linha sucessória é o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) -depois vem o do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE), e a do STF, Cármen Lúcia. Maia teria 30 dias para convocar uma eleição indireta.
Quem elegeria o novo presidente?
Os 513 deputados e 81 senadores, em sessão bicameral, com voto aberto e peso igual para todos.
Quem poderia se candidatar?
A Constituição não especifica se as regras de elegibilidade (ser brasileiro, ter 35 anos ou mais, filiado a um partido etc.) se aplicam num pleito indireto. Alguns especialistas defendem que se siga o roteiro geral. Outros, que essas normas não valem aqui. Caberia ao Congresso definir.
Magistrados poderiam virar presidente?
Para a turma que aponta buracos na Constituição sobre quem é elegível, sim. Numa eleição direita, só pode se candidatar quem se descompatibilizar do cargo seis meses antes do pleito.
Diretas Já é algo possível?
Seria preciso aprovar uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição) para alterar as atuais regras do jogo. Já há iniciativa afim no Congresso, de Miro Teixeira (Rede-RJ).
Temer pode ser denunciado?
Sim, se a Procuradoria-Geral da República entender que houve crime no mandato atual. Mas a denúncia só chegaria ao STF com autorização de dois terços da Câmara (crimes de responsabilidade, caso atribuído a Dilma Rousseff, também passam pelo Senado). O rito não é ágil.
Fontes: folhapress