Por Paula Dione, Psiquiatra na Holiste Psiquiatria
Não é possível viver sem emoções. O amor, por exemplo, pode trazer ao indivíduo enormes alegrias e prazeres. Mesmo sendo um conceito antigo, o ideal de amor bem-sucedido ainda reside na afetividade dos sujeitos modernos. De forma análoga, o impulso sexual também se apresenta como uma realidade a ser vivenciada pela maioria dos seres humanos, sendo colocado por alguns como uma manifestação da vida. Assim, é válido afirmar que todo indivíduo terá que lidar com estes dois fenômenos em algum momento de sua vida: amor e sexo.
Muitas pessoas oscilam entre o desejo de ter um relacionamento afetivo pautado em compromisso recíproco, monogamia etc., e o desejo de uma vivência sexual mais livre – seja isso revelado ao parceiro ou não. Alguns autores afirmam que o amor tem como base a realização de seus ideais, enquanto o desejo sexual tem como base o objeto, as fantasias. Na sociedade de consumo, a propaganda sugestiona modelos de objetos desejáveis, através do realce de determinadas características (porte físico, comportamento, posição socioeconômica).
Essa dinâmica possibilitaria que as práticas sexuais e mesmo as amorosas se tornassem tão funcionais e produtivas quanto qualquer outra atividade econômica, sendo experimentadas através de exigências socioculturais. No entanto, uma vez preservado o discurso de oposição entre amor e sexo (ideal x realidade), como conciliar essas duas práticas?
Reza a teoria que o amor romântico posiciona o objeto de desejo em local de extrema idealização, o que acaba causando temor a quem deseja o amor, uma vez que inviabiliza a vida real. É como se, para ter um amor genuíno, o indivíduo tivesse que abrir mão de uma sexualidade mais vigorosa, assim como, para desfrutar de uma sexualidade mais vigorosa, o indivíduo tivesse que abrir mão de ter um amor genuíno.
Crenças como “o verdadeiro amor tudo vence” desgastam as relações amorosas, pois tentam encobrir a realidade. A ilusão dificulta que sejam assumidos os interesses mundanos dos apaixonados, colocando as demandas sexuais como menos legítimas e dando lugar a aplicação das mais diversas estratégias de “fuga”. Conciliar a visão idealizada sobre o amor com uma visão realista sobre as necessidades sexuais dos seres humanos é abrir diante de si um caminho em que o amor erótico pode ser uma via. Parte do desafio parece ser tirar o prazer sexual da posição de obrigação e permitir ao amor ser uma superação inovadora que concilia essas duas vivências humanas em si.