A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) revelou que a pesca e a aquicultura global foram fortemente afetadas pela Covid-19. De acordo com relatório apresentado em março deste ano, o setor sofreu impactos econômicos principalmente pela redução do turismo, fechamento de restaurantes e queda na renda média da população. No Brasil, além da retração econômica, a pesca feita de maneira não sustentável é uma das principais ameaças ao futuro dos cerca de um milhão de pescadores em atividade no país, de acordo com dados da Secretaria de Aquicultura e Pesca do Ministério da Agricultura, gerando riscos e incertezas para suas famílias e comunidades e, também, para o meio ambiente.
Para Alexandre Turra, membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza (RECN) e pesquisador do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (USP), o Brasil necessita de políticas públicas atualizadas e gestão mais eficiente da atividade pesqueira. O pesquisador ressalta o potencial econômico, social e cultural da pesca artesanal, mas preocupa-se com o atual estágio de desenvolvimento do setor. “Embora alguns estados tenham boas práticas, em nível federal percebemos ausência de dados sobre estoques de pescados e o abandono do monitoramento de desembarques pesqueiros há mais de 10 anos. Infelizmente, não temos informações e estatísticas nacionais atualizadas, o que nos leva a uma gestão às cegas. Sem políticas públicas baseadas em dados para garantir a sustentabilidade da pesca, poderemos chegar a um colapso em breve”, alerta Turra.
Estima-se que a pesca predatória e ilegal já represente ameaças para mais de 80% das
espécies de pescado capturadas na costa brasileira. Para Turra, sem acompanhamento do poder público, os problemas tendem a se agravar. “A sustentabilidade na pesca pressupõe definições sobre apetrechos que podem ser usados, a quantidade de embarcações permitidas em cada área, quantidade e especificações do que se pode pegar, o tamanho dos animais que podem ser capturados, os locais corretos para pescar, o período certo, enfim, uma série de regras que precisam ser estabelecidas e, principalmente, seguidas”, frisa o pesquisador.
Conforme destaca o especialista, a pesca sustentável respeita os ecossistemas marinhos e se adapta ao ritmo reprodutivo dos peixes e outros recursos pesqueiros para manter o equilíbrio e garantir a sobrevivência de todas as espécies. Turra avisa que a sobrepesca é uma das grandes ameaças à saúde do oceano em nível global. “Além de gerar consequências econômicas para os pescadores e suas comunidades, a pesca predatória, feita acima da capacidade de reposição dos estoques, gera efeitos nocivos ao longo do ecossistema, comprometendo as cadeias alimentares e trazendo riscos à vida de várias espécies”, explica.
Consumo consciente
Criada com o objetivo de fortalecer a pesca artesanal e promover um consumo consciente, a empresa Olha o Peixe! é um exemplo de como negócios sustentáveis podem fazer parte da solução dos desafios ambientais. O serviço de entrega de pescados surgiu para aproximar quem produz o alimento de quem o consome. A empresa, que tem sede em Pontal do Paraná (PR), define o valor do produto em conjunto com os pescadores locais e comercializa o pescado por meio de um clube de assinaturas ou por vendas semanais realizadas pela internet. Entre os clientes estão consumidores finais e restaurantes da Região Metropolitana de Curitiba.
“Temos uma equipe de especialistas na área pesqueira com o compromisso de não trabalhar com espécies ameaçadas de extinção, levar informação técnica sobre os pescados, usar embalagens ecológicas, realizar negociações mais justas com pescadores e priorizar pescarias menos impactantes. Dessa forma, redefinimos o modelo de comercialização de pescados e contribuímos para que o consumidor não olhe só o peixe, mas todas as vidas por trás desses alimentos”, salienta Bryan Renan Muller, idealizador do projeto e proprietário da empresa.
A Olha o Peixe! foi um dos destaques da edição 2020 do Programa Natureza Empreendedora, da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza, iniciativa que busca fortalecer e dar visibilidade a negócios inovadores que contribuam com a conservação da biodiversidade. “Nossa intenção é apoiar negócios com potencial de contribuir com a conservação ambiental, sem provocar danos à natureza e gerando benefícios para a comunidade”, comenta o gerente de Conservação da Biodiversidade da Fundação Grupo Boticário, Emerson Oliveira.
Maricultura
Na opinião de Turra, além de incentivos à pesca sustentável, o Brasil deveria olhar com mais atenção para a maricultura sustentável, que tem grande potencial econômico e pode contribuir para a segurança alimentar da população. O cultivo de moluscos, algas, mexilhões, ostras, vieiras e peixes dos mais variados tipos pode ser um caminho promissor para comunidades tradicionais. “É uma atividade que também exige cuidados, pois o uso intensivo de rações e apetrechos pode trazer impactos às outras espécies. Ainda faltam subsídio técnico, orientação e fomento para desenvolvermos uma maricultura sustentável, talvez um pouco mais distante da costa, com bons resultados e menos impactos ambientais”, comenta o pesquisador.
Para Oliveira, além de políticas públicas mais eficientes, a sociedade civil precisa se engajar em iniciativas em prol da sustentabilidade do oceano. “Temos o compromisso de proteger os mares, engajar a sociedade e contribuir para uma economia mais forte, bem-estar amplo e vida marinha conservada. Precisamos ampliar a cooperação em torno de soluções sustentáveis para criar um futuro desejável”, afirma a executiva. A Fundação é reconhecida pela Unesco como uma das representantes da sociedade civil no Brasil da Década da Ciência Oceânica para o Desenvolvimento Sustentável (2021–2030), uma iniciativa coordenada pela Organização das Nações Unidas (ONU).
Sobre a Rede de Especialistas
A Rede de Especialistas em Conservação da Natureza (RECN) reúne cerca de 80 profissionais de todas as regiões do Brasil e alguns do exterior que trazem ao trabalho que desenvolvem a importância da conservação da natureza e da proteção da biodiversidade. São juristas, urbanistas, biólogos, engenheiros, ambientalistas, cientistas, professores universitários – de referência nacional e internacional – que se voluntariaram para serem porta-vozes da natureza, dando entrevistas, trazendo novas perspectivas, gerando conteúdo e enriquecendo informações de reportagens das mais diversas editorias. Criada em 2014, a Rede é uma iniciativa da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza. Os pronunciamentos e artigos dos membros da Rede refletem exclusivamente a opinião dos respectivos autores. Acesse o Guia de Fontes em www.fundacaogrupoboticario.
Sobre a Fundação Grupo Boticário
Com 30 anos de história, a Fundação Grupo Boticário é uma das principais fundações empresariais do Brasil que atuam para proteger a natureza brasileira. A instituição atua para que a conservação da biodiversidade seja priorizada nos negócios e em políticas públicas e apoia ações que aproximem diferentes atores e mecanismos em busca de soluções para os principais desafios ambientais, sociais e econômicos. Protege duas áreas de Mata Atlântica e Cerrado – os biomas mais ameaçados do Brasil –, somando 11 mil hectares, o equivalente a 70 Parques do Ibirapuera. Com mais de 1,2 milhão de seguidores nas redes sociais, busca também aproximar a natureza do cotidiano das pessoas. A Fundação é fruto da inspiração de Miguel Krigsner, fundador de O Boticário e atual presidente do Conselho de Administração do Grupo Boticário. A instituição foi criada em 1990, dois anos antes da Rio-92 ou Cúpula da Terra, evento que foi um marco para a conservação ambiental mundial.