As motociatas em apoio ao presidente Jair Bolsonaro (PL) já custaram praticamente R$ 5 milhões aos cofres públicos, segundo levantamento realizado pela Folha a partir de mais de 50 pedidos via Lei de Acesso à Informação.
A soma leva em conta as despesas com o cartão de pagamento do governo federal, informadas pela Secretaria-Geral da Presidência, e os gastos assumidos pelos estados para garantir a segurança da população e da comitiva de Bolsonaro.
O cálculo não inclui a viagem do presidente ao Paraná para a motociata realizada no dia 6 de novembro, custo ainda não informado pela Presidência.
A Polícia Militar do Paraná não informou os custos com a visita do presidente, alegando que as despesas “não são processadas de maneira centralizada”.
A primeira motociata ocorreu em Brasília, no dia 9 de maio. Outras 12 a sucederam em quase todas as regiões do país: Rio de Janeiro, São Paulo, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Goiás, Minas Gerais, Pernambuco e Paraná.
Os eventos serviram como palco para os arroubos autoritários de Bolsonaro, que buscou uma demonstração de força em meio à queda de popularidade impulsionada pelo avanço da inflação e pela exposição do governo federal na CPI da Covid.
Nas motociatas, o mandatário encontrou acolhimento mais uma vez junto à sua base mais radical, lançando mão de discursos golpistas que geraram uma crise institucional.
Nessas ocasiões, o presidente reforçou, por exemplo, que não aceitará os resultados das eleições de 2022 caso seja derrotado. Aproveitou, ainda, para atacar governadores e ministros do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e do STF (Supremo Tribunal Federal).
Bolsonaro também repetiu sua rotina pró-Covid, gerando aglomerações e abraçando apoiadores sem máscara.
Em resposta aos pedidos formulados pela Lei de Acesso à Informação, a Presidência informou os valores gastos com as viagens, mas não compartilhou detalhes a respeito das despesas, mantidos sob sigilo.
Os gastos da comitiva presidencial nessas viagens estão sendo analisados pelo TCU (Tribunal de Contas da União) a pedido de integrantes da CPI da Covid no Senado.
No dia 29 de setembro, o assunto foi tratado em uma sessão extraordinária, sob sigilo, que acabou suspensa por um pedido de vista. O processo entrou novamente na pauta no dia 8 de dezembro, mas o julgamento foi outra vez adiado por decisão do plenário. Não há previsão de retomada.
A relatoria do caso estava com o ministro Raimundo Carreiro, de saída do tribunal após ter sido indicado por Bolsonaro para o posto de embaixador do Brasil em Portugal.
A indicação foi chancelada pelo Senado no fim de novembro.
Escolhido pela Casa para ocupar a vaga de Carreiro, o senador Antonio Anastasia (PSD-MG) também assumirá a relatoria dos processos que estavam sob responsabilidade do ministro. Entre eles, não apenas a auditoria dos custos com as motociatas, mas também uma mais ampla a respeito dos gastos com cartão corporativo do presidente e seus parentes.
Nesses processos, os gastos não são propriamente julgados pelo tribunal, explica André Rosilho, especialista em direito administrativo e coordenador do Observatório do TCU da FGV de São Paulo. Os ministros têm, sim, a atribuição de avaliar se há alguma irregularidade nas contas.
“O TCU faz uma auditoria nos gastos e emite um parecer sobre as contas do presidente, que por sua vez são julgadas pelo Congresso”, diz.
Rosilho afirma que, se for identificada alguma irregularidade nos gastos efetuados com as viagens para as motociatas, o resultado pode ser encaminhado ao Ministério Público Federal, que nesse caso pode dar início a uma ação de improbidade administrativa.
Ao longo do ano, políticos e a sociedade civil indagaram se o uso de dinheiro público para viabilizar a participação de Bolsonaro nas motociatas poderia ser enquadrado como abuso de poder político.
Também foi questionado se os discursos do presidente nesses eventos em seu apoio poderiam configurar propaganda eleitoral antecipada.
Especialista em direito público e eleitoral, o advogado Ricardo Penteado diz que não tem como avaliar concretamente o caso de Bolsonaro, mas afirma, em tese, que o uso de equipamentos públicos para interesses políticos e pessoais estranhos ao exercício da Presidência pode representar improbidade administrativa.
Para avaliar se houve propaganda eleitoral antecipada nas motociatas, seria preciso analisar cada discurso do presidente.
Penteado também afirma, sem se referir especificamente ao caso do presidente, que não precisa haver propaganda antecipada para a caracterização do abuso de poder político.
“Se eu uso uma estrutura pública para o meu interesse político, que vai me alavancar para a eleição, ainda que não seja propaganda no sentido puro da palavra, não quer dizer que eu não esteja cometendo um ilícito eleitoral.”
Entre as 13 viagens de Bolsonaro para as motociatas, a mais custosa foi ao agreste pernambucano, no dia 4 de setembro, no valor de quase R$ 607 mil. Em seguida, os maiores gastos foram em São Paulo (R$ 476 mil) e Chapecó (R$ 450 mil), no mês de junho.
No total, a Presidência desembolsou R$ 3,3 milhões para que Bolsonaro participasse dos eventos.
São Paulo, governado pelo opositor e presidenciável João Doria (PSDB), foi o estado que mais investiu recursos para viabilizar a presença do presidente nas motociatas. Segundo o governo, os custos chegaram a R$ 1,5 milhão com dois eventos -um na capital e outro em Presidente Prudente, em julho.
Para a motociata na capital paulista, foram mobilizados 1.433 policiais e a atuação de batalhões territoriais e especializados, como Baep, Choque e Canil, além de equipes do Corpo de Bombeiros e do Resgate.
O ato também teve o apoio de cinco aeronaves, dez drones e aproximadamente 600 viaturas -entre motos, carros, bases comunitárias móveis e unidades especiais.
Em agosto, Doria chegou a afirmar que Bolsonaro seria cobrado se participasse de novas motociatas no estado. “Não é obrigação do Governo do Estado de São Paulo fazer segurança de motociatas sem que o custo seja suportado por quem as organiza e as promove”, disse