A lista de produções aprovadas na Ancine enviada a Jair Bolsonaro não se limitou a citar o filme “Bruna Surfistinha” e o reality show trans “Born to Fashion” como, na ótica bolsonarista, exemplos de má aplicação de recursos na área. Nela há longas políticos e até comédias.
Segundo a colunista Mônica Bergamo, da Folha, “Dra. Darci”, um sitcom estrelado por Tom Cavalcante por exemplo, está no índex bolsonarista. O próprio Tom interpreta Dra. Darci, “um psicanalista que aceita o convite de uma rádio para atuar como consultor de psicanálise e, logo na estreia, é confundido com uma mulher. Os conselhos da doutora viram sucesso e ele decide assumir o personagem para continuar ganhando dinheiro”, diz a sinopse.
“O Sol na Cabeça”, baseado no bestseller de Geovani Martins que foi vendido para nove países, também entrou no tal dossiê dos malditos.
Ainda coforme a coluna, o longa conta a história de “Pedro, morador do morro do Vidigal [no Rio]” que só “quer fumar um baseado em paz na praia com os amigos, mas se depara com a violência policial”. Ele e os companheiros seriam “apaixonados pela vida”, apesar de viverem na periferia “sob o estigma do racismo”.
“Quanto você pagaria por um filme que fala mal de Bolsonaro? O governo pagará [autorizará a captação de] R$ 1,5 milhão”, escreveu o jornalista catarinense Cristian Derosa no site Estudos Nacionais, que também circulou no governo.
Ele se referia ao documentário “Brasil, Ame-o ou Deixe-o”. O trabalho faz um paralelo entre os tempos atuais e a ditadura militar do ponto de vista da mobilização do meio artístico , “sufocado” por um regime autoritário.
O ranking inclui ainda produções como “Nas Trincheiras do Desejo”, que conta a história de estudantes de baixa renda “no embate contra a privatização do ensino público”, e “Ricardo e Vânia”, dois rapazes “de feições perfeitas que se apaixonam” e se deformam injetando silicone no rosto.
A atriz Cassia Kis interpreta a bruxa Haia na série “Desalma”, um drama sobrenatural desenvolvido pela Globo com exclusividade para a plataforma GloboPlay; o elenco gravou na serra gaúcha durante cinco semanas. Já o documentário “Nem Tudo se Desfaz”, do diretor Josias Teófilo, foi divulgado pelo deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) nas redes. “Como vinte centavos iniciaram uma revolução conservadora”, diz o pôster do filme, referindo-se às manifestações de 2013. Ele foi autorizado pela Ancine a captar R$ 530 mil.
Teófilo, que já dirigiu um documentário sobre Olavo de Carvalho, diz que o filme não é “sobre Bolsonaro, nem pró-Bolsonaro”. “Apesar de achar que as pessoas de direita vão gostar porque não vem com essas palhaçadas de dizer que foi golpe parlamentar, ignorando milhões de pessoas que foram às ruas [protestar]”, diz.
O deputado Alexandre Frota (PSL-SP) acredita que impor um filtro às produções da Ancine, como quer Bolsonaro, se “parece com censura”. “‘Bruna Surfistinha’ foi uma boa produção que empregou muitos profissionais. Não tenho nada contra. Mas o Jair [Bolsonaro] tem a opinião dele. Eu, por exemplo, não assistiria ‘Superação: O Milagre da Fé’ e ele gostou. São gostos diferentes”, segue Frota.
O secretário de Cultura e Economia Criativa de SP, Sérgio Sá Leitão, que já foi diretor da Ancine, também criticou a fala do presidente. “A política cultural de um país democrático e civilizado deve se pautar pela pluralidade e pelo respeito à liberdade de criação”, diz ele. “A instalação de um tribunal moral para avaliar filmes é próprio de regimes autoritários.”
Calero diz que externou suas preocupações ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia, na quinta (18).