Foram necessárias duas horas e 20 pessoas para que se conseguisse acender um número de velas equivalente aos recordes de vítimas da Covid-19 nos últimos dias no Brasil: quase 2.000. O símbolo tenta relembrar que os algarismos não são só algarismos, mas sim mães, pais, filhos, amores e amigos.
Também foi a maneira que um grupo de jovens encontrou para chamar a atenção de quem não está seguindo as medidas de segurança. Os colegas moram em Mutuípe, município de 22 mil habitantes no interior da Bahia, a 3 horas e meia de Salvador, onde 1.109 pessoas já contraíram o vírus e 9 morreram, segundo o estado.
As velas formaram uma gigante cruz no centro do gramado do estádio da cidade. De máscara e sem aglomerar, o grupo começou a organização da homenagem às 14h30, passou a acendê-las às 18h e só terminou às 20h. Depois ficou ali a madrugada toda esperando que apagassem, em respeito às vítimas.
“Um amigo teve a ideia depois que viu a reportagem do recorde de mortos e ficou tocado, porque ninguém tinha expressado sentimento por esse tanto de vidas. No dia seguinte ele comprou as velas e saquinhos e chamou a gente, e todo mundo comprou a ideia”, diz Monique Moura, 25, que cursa farmácia.
O dado que seu amigo viu nas notícias foi de 1.910 óbitos, número divulgado pelo Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) na última quarta (3). O consórcio de veículos de imprensa, criado em resposta às interrupções de divulgação de informações pelo governo Jair Bolsonaro (sem partido), apontou 1.841 mortes no mesmo dia.
O Brasil enfrenta o pior momento da pandemia, com situações críticas em todas as regiões do país e colapsos em algumas áreas. Os níveis de ocupação de UTIs estão acima de 90% em diversas capitais.
Entre as vítimas está a prima de uma das participantes da homenagem, que era jovem. Foi difícil bloquear a emoção, diz Monique: “Só de você perguntar já me arrepia. Durante todo o momento a sensação era de que estávamos no cemitério, que cada vela era um pai, filho, o amor da vida de alguém. Foi muito tocante”, conta.
A estudante lamenta que as medidas de segurança não estejam sendo seguidas no município, que segundo ela tem tido muitas festas e aglomerações. “Pela própria geografia da cidade, que é pequena e tem comércios pequenos, as pessoas ficam muito desesperadas quando ouvem falar em lockdown, com medo de ficar sem comer”, afirma.
Desde o fim de fevereiro o governador da Bahia, Rui Costa (PT-BA), determinou a restrição total de atividades não essenciais para tentar diminuir a transmissão do vírus. Estão proibidos em qualquer horário o funcionamento presencial de bares e restaurantes, a venda de bebidas alcoólicas e qualquer tipo de atividade social.