Que a Bahia é rica em vários aspectos, isso nós sabemos. Essas riquezas têm esse valor não só territorial e nacional, mas sim, internacionalmente. São várias as personalidades que a nossa terra já cedeu para o cenário cultural. Como nos honra poder ter orgulho do nosso povo, da nossa forma de ser e dos filhos que levam o nosso nome para tornar conhecido em todo o mundo. Posso citar aqui o grande João Gilberto que nos deixou nesse mês, Caetano Velloso, Gilberto Gil, Maria Bethânia, Jorge Amado e os contemporâneos: Saulo Fernandes, Ivete Sangalo, Xandy do Harmonia, Jau Peri entre outras personalidades que nos representa.
Por detrás dessas personalidades existem muitas outras pessoas que fazem com que a realização seja feita com sucesso. Uma dessas pessoas se chama: o compositor. Nem todo cantor é compositor. As vezes aquela música que você canta com maior alegria e prazer, foi composta por uma pessoa que passa por despercebido. E é nesse ponto que eu gostaria de chegar. A nossa Bahia tem dois grandes compositores: Dom Chicla e Filipe Escandurras. Ambos são irmãos. Sim, irmãos que levam no sangue o dom de compor e nos representar tão bem nas vozes de pessoas ímpares. E por isso, por valorizar e fazer com que vocês conheçam uma dessas pessoas tão importantes para a música da nossa Bahia que entrevistei Dom Chicla. Um homem simples, alto-astral e que me recebeu tão bem em seu estúdio para esse bate papo abaixo. Chegue mais, confira a riqueza que a Bahia tem!
Quem é Dom Chicla?
Dom Chicla: Dom Chicla é o cara que nasce depois de Chiclete porque Chiclete era o compositor da fase da adolescência de Ricardo Lima – que sou eu. Dom Chicla já é o cara mais maduro, a maturidade de toda uma obra que eu venho tecendo – agora sabendo – mas quando era mais novo, não sabia. Um trabalho que eu faço de todo meu coração, toda uma composição autoral que é a minha vida, que é esse Dom. Essas composições é a minha vida, a minha identidade. É esse cara mais maduro, artista, oriundo do Rio de Janeiro, mas com pais baianos. Enfim, abracei Cajazeiras como o bairro da minha vida onde cheguei em 1986.
Quando Dom Chicla começou a compor?
Dom Chicla: Comecei a compor desde a barriga de minha mãe (Risos), porque eu tenho certeza que a composição é isso: ela é inerente, está em você. Você pode até fazer uma música e vender milhões de discos, mas se você não for compositor, nunca mais fará mais nada. Quando você é autor de verdade, tudo flui normalmente, Esse dom foi um privilégio de Deus. Lembro que eu ia andando de ônibus cantando como se tivesse um público me assistindo. Ia fantasiando ali e inventando música. Quando somos criança, não pensamos que estamos compondo, mas sim, inventando música.
Quantas Composições Dom Chicla tem até o dia de hoje?
Dom Chicla: Rapaz, eu não sou um cara muito matemático. Falar em números comigo é um pouco complicado, mas eu acredito que hoje eu possa completar com a nova música que é “Rosas dos Ventos”, umas 500 composições. Não gravadas, que não são tantas.
Qual a primeira composição, você se lembra?
Dom Chicla: Lembro, lembro sim! A primeira composição foi para um grupo aqui de Salvador chamado “Assim como Nós”. Me lembro que eles não gravaram o que é uma pena, mas composição é assim mesmo, nem todas são gravadas. Não lembro muito bem a letra, mas foi a primeira música que eu compus dentro de um ônibus saindo da Cajazeiras 7 e indo para Cajazeiras 5 aonde estudava
Foto: Facebook
Qual a composição predileta?
Dom Chicla: Olha, tem muitas composições que gosto. Mas um pai, um tutor, ele não tem uma preferida. Eu não consigo tem uma composição predileta porque as músicas são momentos na minha vida como “perêrê” que compus para Ivete Sangalo, aquele foi um momento para a minha vida. Compus também “Bug, Bug, Bye, Bye” com meus parceiros: Augusto Conceição e Vivaldo Ladislau que foram momentos. É muito difícil sentimentalmente dizer pois tal momento da minha vida estava assim, tal momento estava de outra forma e todas tem uma importância muito grande.
Qual composição fez mais sucesso e na voz de quem?
Dom Chicla: Não tem para onde correr. A composição que fez mais sucesso foi “Perêrê” com Ivete Sangalo. A Ivete é uma pop Star apesar de que eu já tive a honra de ter sido gravado por grandes músicos, cantores e ícones da música brasileira como por exemplo: Gilberto Gil, Xandy do Harmonia, Saulo Fernandes entre outros, mas Ivete foi a artista que me projetou para o mundo pela força do trabalho dela e como ela é. Quem não conhece a música “Perêrê”? Ou a pessoa ama demais essa música ou odeia (Risos).
Quais cantores já gravaram composições de Dom Chicla?
Dom Chicla: Os cantores daqui que já gravaram as minhas músicas começa por Ivete – que abre esse caminho e aí vem Saulo Fernandes que hoje é o primeiro a gravar as minhas composições, seguido por Xandy do Harmonia, Emanuelle Araújo que substituiu Ivete na banda Eva, Márcia Freire, É o Tchan etc. Composição é igual a futebol, você tem que estar preparado para ouvir que sua música é “massa” como também para escutar as críticas. Não podemos querer que tudo seja uma maravilha, perfeito. A Patrulha do Samba mesmo estourou com a composição “Rodopiou” e aí, várias bandas me procuraram. A composição proporciona uma coisa muito agradável. É uma honra ter a minha letra e a de meus parceiros reconhecida assim nacionalmente e internacionalmente.
Foto: Youtube
Como essas composições chegaram até esses ícones/cantores baianos?
Dom Chicla: Na minha época de composição, existiam os estúdios e aqui em Salvador tinha a mais famosa que era a WR Discos da família Rangel que me ajudou muito. Era lá que ficávamos com nossa fitinha no braço, o cantor chegava, íamos, mostrava ao artista, batíamos na mão, cantava, era no modo analógico, mas os emocionava. Os artistas iam lá para isso: escutar os compositores. Foi nesse período que a Bahia virou uma grande indústria musical e como toda indústria, usou a sua essência e jogou o “bagaço” fora. A música era regimentada porque a regimentação é uma coisa que o compositor não faz parte, ainda mais aqui na Bahia que a maioria dos compositores são percussionistas. Naquela época era isso: fita debaixo do braço e WR Discos.
Qual influência baiana te incentiva e motiva a compor?
Dom Chicla tem uma composição de um partido alto que é famosíssima chamada “Paixão Antiga”. O samba da Bahia também te inspira e motiva a compor?
Dom Chicla: O samba é a minha vida. Mas eu não sou sambista, eu não visto no palco a roupa de sambista porque primeiro, eu teria que ser credenciado pelos sambistas. É como você entrar na Academia Brasileira de Letras. Sou filho de sambistas, posso ser considerado um no futuro, posso. A composição que você fala é uma que tomou conta não só do Brasil, mas do Japão, Chile, Venezuela, França, pessoas mandando: “- Olha o que estou ouvindo!” e hoje ela já tem 15 anos e onde você cantar: “Meu coração tá mandando fazer sambar de roda… essa paixão é antiga, já virou moda […]” Essa música foi um divisor de águas porque ela não foi para a rádio e ela derrubou a indústria. Essa música é um sinal para acreditarmos piamente que Davi derrubou Golias. Não tem nenhuma música de samba feita aqui na época dela, até hoje que seja mais famosa que ela. E agora ela foi imortalizada porque foi gravada por Gilberto Gil e Xandy do Harmonia do Samba.
Qual o desafio hoje em dia de compor?
Dom Chicla: O grande desafio hoje do compositor está com ele mesmo. É quebrar seus mantras, seus medos internos, se vencer – quando você se vence – você irá vencer qualquer obstáculo. Já quis fama e tive, já quis música estourada em todo o Brasil e tive, mas isso não me fez melhor que ninguém. Eu ainda tive e tenho que lutar contra muitos medos e quando eu consigo vencê-los, dou um passo a frente. O incrível é seu! Acredite no incrível. Quando você olha para a indústria e diz assim: “eu preciso pertencer a esse vilão…” é outra coisa, entende? É outra coisa. Tenho um irmão que hoje é um dos maiores compositores do Brasil e se chama Filipe Escandurras, ele é fenomenal, é irmão por parte de pai. Passava por mim aos seis anos tocando cavaquinho. Falei para meu pai: “Esse menino vai ultrapassar todos nós. Vai ser o fenômeno” meu pai falou: “- Será??” E eu não errei. Filipe hoje é donos dos hits dessa indústria, mas ele não trabalhou para isso, foi natural e ele diz isso nas entrevistas. Ele era a indústria e não sabia.
Você também é conhecido como “Chiclete”, mas o nome que te consagra é Dom Chicla. Qual o significado desse nome artístico?
Dom Chicla: Chiclete nasceu em 1987 quando eu cheguei em Cajazeiras, foi um apelido que ganhei de um amigo chamado Zé do rádio. Deixei de ser Chiclete em 2005 quando conheci um cantor que tinha ganho fama e veio para aqui na Bahia substituir o cantor Tomate na banda Rapazola que chama-se Leandro Lopes. Chiclete foi muito importante para mim, minha vida! E Dom Chicla é o que vai mostrar para o mundo o que que a Bahia tem.
As redes sociais, as plataformas digitais, tem ajudado os compositores?
Dom Chicla: Olha, os compositores são seres humanos e eles bebem da fonte que a necessidade tem. Acho que o Brasil vive um momento muito ruim porque é um momento de medos, de dúvidas, um momento onde educação, empoderamento, ausência de saúde perante os órgãos públicos, se misturam todos esses sentimentos que são até díspares nessas situações, mas que estão fazendo parte de um só pacote, de um crescimento que não podemos afirmar ainda se foi verdadeiro ou mera impressão e que agora nós estamos vivendo envoltos nesse bolo de energia. O que acontece com isso? Irão surgir artistas bizarristas, músicas bizarras, porque o momento é bizarro e a indústria está em maus lençóis porque é a única coisa que ela consegue traduzir. Mas é do lodo que nasce a pérola e também embaixo dessa camada grossa, existe eu, milhões de artistas com a força pulsando e que está rachando essa camada pois ela está totalmente comprometida.
Finalizando a nossa entrevista, vamos para o bate-bola:
Para Dom Chicla família é? Força vital
Amigos são? A vida
Salvador não é Salvador sem? Os tambores
Um cantor? Geraldo Azevedo
Uma cantora? Elza Soares
Uma cidade? São Paulo
Dom Chcla não é Dom Chicla sem? Sem a música
Uma música? Para não dizer que não falei das flores e Gentileza de Gonzaguinha
Um frase: “O pássaro da vitória só pousa no ombro daquele que ousa.”