Após o Ministério Público do Espírito Santo (MPES) ter realizado uma investigação sobre os vazamentos e constrangimentos sofridos pela menina de 10 anos que ficou grávida, vítima de estupro, no norte do Espírito Santo, dois parlamentares do PSL contra-atacaram com uma representação contra o promotor da Infância e Juventude de São Mateus, Fagner Cristian Andrade Rodrigues.
A representação, à qual o Metrópoles teve acesso, foi apresentada à Corregedoria Nacional do Ministério Público pelos deputados bolsonaristas Filipe Barros (PSL-PR) e Chris Tonietto (PSL-RJ). Eles pedem a instauração de procedimento disciplinar contra o promotor. A peça acusa Fagner Rodrigues de ter atuado de forma incorreta, “induzindo ao procedimento de aborto”, e aponta pressões sobre médicos do hospital universitário, em Vitória, que se recusaram a realizar o procedimento, autorizado pela Justiça.
Violência contra a mulher
Os dois parlamentares são representados pelo advogado Douglas Ivanowski Bertelli Kirchner. Ele é ex-procurador do Ministério Público Federal (MPF). Em 2016, foi demitido pelo Conselho Nacional do Ministério Público, após procedimento administrativo. O advogado foi acusado de manter sua mulher em cárcere privado, tê-la esbofeteado e a agredido com golpes de cinto.
Na época, Kirchner foi defendido pela hoje deputada estadual Janaína Paschoal (PSL-SP). A demissão ocorreu depois da apuração de que Kirchner agiu junto com a pastora evangélica Eunice Batista Pitaluga, da Igreja Evangélica Hadar. O casal frequentava essa igreja em Rondônia. O crime teria ocorrido entre fevereiro e julho de 2014, quando a pastora, de acordo com as apurações, deu uma surra de cipó na esposa de Kirchner na presença dele.
Em outras ocasiões, Kirchner também foi acusado de ter mantido sua mulher privada de comida e itens básicos de higiene pessoal.
O entendimento do CNMP para demitir Kirchner foi de que a condenação do procurador abrangeu “incontinência pública e escandalosa” e que os atos, segundo o CNMP, poderiam comprometer gravemente a dignidade do Ministério Público da União (MPU).
Ao Metrópoles, o advogado Douglas Kirchner afirmou que sua contratação por parte do deputado Filipe Barros não guarda nenhuma posição ideológica em relação às investigações realizadas por ocasião de sua demissão do Ministério Público e que também não há fundo religioso na contestação do trabalho realizado pelo promotor.
“Eu hoje sou advogado. De fato, eu fui demitido pelo CNMP. Foi uma decisão que inclusive está sendo contestada da Justiça, mas hoje advogo em Brasília, em casos privados, em várias frentes da advocacia e não tenho nenhuma correspondência ideológica com nenhum de meus clientes. Ele me procurou porque soube do meu trabalho, gostou do meu trabalho e resolveu me contratar”, relata.
“Os fatos que ocorreram no MP já têm oito anos, inclusive eu ganhei uma decisão no Conselho do MPF do mesmo fato. No CNMP, como teve uma decisão ideológica, acabaram não entendendo todo contexto das provas que foram colocadas perante o meu processo administrativo. Enfim, eu questionei essa decisão na Justiça e espero que ela dê uma resposta a tempo. Enquanto isso, continuo meu trabalho, tenho minha família, refiz minha vida aqui em Brasília. Na época eu morava em Porto Velho”, diz.
Na representação, Kirchner questiona a “motivação jurídica para se encaminhar uma menor que estava sob a responsabilidade do Ministério Público do Estado do Espírito Santo para uma Unidade da Federação na qual ele não tem atribuição”, e aponta que o MPES acabou por “desproteger” a criança.
“Dentre tantos hospitais existentes na capital do Estado, por que se decidiu por um em Estado diverso daquele onde exerce suas funções? Ultrapassados os limites territoriais/jurisdicionais não há mais que se falar em curadoria do Ministério Público do Estado do Espírito Santo. A criança passou a estar, então, desprotegida”, alega.
Bíblia
Logo no início da representação, Kirchner, que assina a peça, destaca um versículo da Bíblia: “Eu vim para que todos tenham vida )Evangelho de São João, cap.X, v.10)”. Em seguida ele cita o artigo 4º do chamado Pacto de São Jose da Costa Rica, da Convenção Interamericana de Direitos Humanos, aprovada em 1969: “Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua vida. Esse direito deve ser protegido pela lei e, em geral, desde o momento da concepção. Ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente”.
A representação ainda cita um trecho do filósofo conservador Gilbert Keith Chesterton, que conservadores religiosos querem ver santificado. “A menos que tenhamos um princípio moral sobre coisas delicadas, como o casamento e o assassinato, o mundo inteiro se tornará um remexer de exceções sem nenhuma regra. Haverá tantos casos difíceis que tudo será resolvido facilmente. Mas eu insisto que eles serão assassinados, cedo ou tarde, se nós aceitarmos em todos os casos o princípio da solução mais fácil.”
O advogado disse que desconhece a intenção de contra-atacar o MPES após as denúncias sobre os vazamentos da pressão religiosa sobre a menina e a família dela. “Eu desconheço essa intenção, até porque as bases eleitorais do deputado e da deputada não são no Espírito Santo. Fui contratado pelo assessor da deputada para fazer essa petição em conjunto porque os dois são da Frente Parlamentar de Defesa da Vida, da Câmara. Eles consideraram absurda toda movimentação que foi feita no Espírito Santo para que a criança conseguisse abortar”, diz.
“A gente fez a representação com base nisso. Os médicos do Espírito Santo se recusaram a fazer o procedimento porque [a menina] estava com 22 semanas de gestação, e existe um protocolo do Ministério da Saúde que orienta, nesses casos, mesmo que a gravidez seja decorrente de estupro, que não seja o aborto a primeira opção”, insiste o advogado.
“Mesmo em caso de estupro, a mãe deve ser orientada a não abortar e informada que a criança deve ser colocada para adoção”, argumenta.
Vazamentos
Além de ter acompanhado todo o processo da menina, que teve o aborto autorizado pela Justiça, mas precisou sair do estado para ter o seu direito atendido, o promotor Fágner Rodrigues é autor da denúncia contra Sara Giromini (conhecida como Sara Winter), na qual pede que a extremista pague uma indenização de R$ 1,3 milhão por danos morais por divulgar o nome da criança e o hospital onde ela faria o procedimento de interrupção de gravidez, em Pernambuco.
Fonte: Metrópoles
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