A Comissão de Saúde e Saneamento realizou de forma virtual, na tarde desta quinta-feira (2), uma audiência pública para discutir sobre o tema Pejotização e Precarização do Trabalho Médico, proposta pelo deputado Jacó (PT). O parlamentar, membro do colegiado, presidiu o evento, que contou na composição da Mesa com a presidente do Sindicato dos Médicos da Bahia (Sindimed), Drª. Ana Rita de Luna Freire Peixoto, o diretor de Defesa Profissional da Associação Baiana de Medicina (ABM), Dejean Sampaio Amorim Filho, a 1ª Secretária da Diretoria do Conselho Regional de Medicina (Cremeb), Dra. Aline Nogueira Reis Guimarães, e a advogada Cristiana Santos.
Jacó abriu a audiência dizendo que os médicos estão passando por momentos difíceis com a pejotização (forma de contratação por pessoa jurídica), com a total retirada dos seus direitos trabalhistas. “Durante a pandemia muitos profissionais morreram ou adoeceram, com suas famílias ficando desprotegidas, com total ausência de seguridade social. Esta reforma trabalhista atingiu a classe médica, gerando insegurança social e consequentemente uma tensão social, haja vista, que são profissionais que atendem a população na preservação de seu maior bem, a saúde”, declarou.
O petista frisou que valorizar o SUS é pensar nos profissionais que servem ao sistema e que fazem com que este funcione. Neste sentido, o legislador fez uma crítica ao Governo Federal que, segundo ele, deixou o sistema abandonado, retirando repasse de verbas a estados e municípios, que estariam, em sua opinião, operando verdadeiros milagres para manter a Saúde funcionando. “Isto em um momento com uma demanda reprimida no atendimento, com quase 600 mil mortos por Covid-19, com vacinação em atraso, que sabemos, agora, pela corrupção na aquisição de vacinas. Enfim, um caos que teremos que reparar”.
Quem falou em seguida foi a Drª Ana Rita Peixoto, presidente do Sindimed, a quem Jacó passou a condução dos trabalhos. Ela também destacou que a precarização do trabalho médico, nas esferas pública e privada, atinge não somente aos profissionais da área, mas também aos pacientes, sobretudos os usuários do SUS, que não têm plano de saúde nem condições de ter atendimento particular.
A médica disse ainda que o problema é de toda ordem, federal, estadual e municipal, e remontou uma trajetória de perdas que a categoria vem sofrendo nas últimas décadas, na Bahia, desde calotes dados por instituições médicas que fecharam as portas, como os Hospitais Salvador, Sagrada Família e Espanhol, atrasos nos pagamentos de salários, demissões em massa, falta de condições de trabalho e o drama da pejotização, que na pandemia mostrou seu lado mais cruel. Ana Rita lamentou a situação de muitos médicos postos na linha de frente do combate à Covid-19 que, ao adoecerem, ficaram impossibilitados de trabalhar e consequentemente sem renda, pois, neste regime, ganham por produção.
O problema da pejotização é grave e começou há bastante tempo, de acordo com Ana Rita. “Tenho 30 anos de formada e posso dizer que, lá atrás, em governos até mesmo anteriores ao PT, houve uma política de precarização, insidiosa e crescente, através do projeto de demissão voluntária dos médicos cesarianos, que fazia com que eles abrissem mão de seus vínculos estatutários e fossem readmitidos com outro vínculo (PJ)”.
A presidente do Sindimed acrescentou que já são 12 anos sem concursos públicos para a área médica no Estado, ao menos outros seis sem aumento salarial. Por fim, propôs que a Assembleia Legislativa seja uma facilitadora no diálogo com o governo estadual e que pudessem manter o debate aberto, para criação de projetos de lei que tragam garantias à categoria médica.
A Drª. Aline Nogueira Reis Guimarães, do Cremeb, disse que o conselho partilha das mesmas preocupações citadas pela Drª Ana Rita, do Sindimed, mas que também tem um foco nas condições de trabalho. Segundo ela, a esperada onda de adoecimento mental por conta da pandemia já é realidade. “Os médicos estão em uma situação de exaustão física e psíquica. É muito relevante que falemos não só de vínculo trabalhista, mas também das condições que as instituições oferecem para que o médico possa atuar de forma ética, com a preocupação de salvar vida e dar conforto a quem sente dor. Entretanto o que a gente vê é uma falta de sensibilidade e de cumprimento do está posto em lei para todos. O médico não é um ser humano diferente de todos os outros brasileiros que estão abaixo da Constituição Federal”, afirmou.
Ela frisou que há uma preocupação “com a proteção do profissional, do paciente e de toda a sociedade por conta das consequências dessa forma de vinculação (contratual) do médico, que muitas vezes se vê desamparado na situação de adoecimento, de precisar trabalhar e não ter como se sustentar e sustentar sua família”.
Em concordância com os demais palestrantes, o Dr. Dejean Sampaio Amorim Filho, da ABM, atentou para o fato de que vários médicos jovens que foram absorvidos por estado e municípios durante a pandemia, com a proximidade do fim dela, serão demitidos e lançados no mercado sem nenhum direito trabalhista. “Eles conseguiram emprego nesse momento da pandemia através da pejotização e vão vivenciar agora a parte ruim. Não têm vínculo empregatício. Isso é inaceitável. A gente tem que encontrar uma maneira do estado prover a saúde pública para toda a população, mas de uma maneira ordenada. Isso me parece uma maneira desordenada de prover a saúde pública”.
Dejean alertou também que é preciso reunir entidades de saúde em geral, não só ABM, Cremeb e Sindimed, mas também as de enfermagem e técnicos de enfermagem, para tentar resolver o problema da pejotização, que atravessa todas as categorias. “Você não ter garantias que a CLT deu e perder tudo, isso não pode acontecer”, concluiu.
A advogada Cristiana Santos, que atende ao Sindimed, fez uma longa explanação mostrando documentalmente uma lista de demandas e processos que o sindicato tem aberto contra o Estado por conta da precarização do trabalho médico, que vai do atraso de salários, da terceirização da contração de médicos por meio da pejotização, das demissões em massa, contratações sem critério e sem exigências de especialização até chegar no tratamento que o Estado deu aos médicos durante a pandemia, impondo a estes que trabalhassem, em algumas situações, em enorme condição de risco.
“Num dos processos, tivemos o perdido de médicos, em plena pandemia, para que médicos com mais de 60 anos ou com comorbidades não fossem postos em contato direto com pacientes de Covid-19. É o mínimo, o básico, direito que foi concedido a qualquer servidor e foi negado, por ato do governo, aos médicos”, criticou.
Cristiana bateu na tecla de que “a classe médica tem sido extremamente aviltada nos últimos anos”. “Agente percebe, desde a expansão dos planos de saúde, uma precarização do trabalho médico, pela diminuição dos reajustes”, criticou a advogada, lembrando que os planos vêm, ao longo do tempo, sistematicamente aumentando os seus valores e diminuindo os repasses para os médicos.
Quanto à pejotização, Cristiana declarou que a Secretaria da Saúde do Estado da Bahia (Sesab) quer demitir todos os médicos ainda contratados pelas leis trabalhistas para implantar a pejotização e disse que os médicos estatutários já são em menor quantidade do que os contratados por outros meios. Por fim, ela afirmou que é preciso que a classe política ajude a classe médica a abrir canais de diálogo, para que o governo enxergue que é preciso mudar a forma de gestão da Sesab e que um novo secretário seja sensível à situação dos médicos.