Em audiência virtual realizada na manhã desta sexta-feira (30), a Comissão de Direitos Humanos e Segurança Pública, da Assembleia Legislativa, discutiu o modelo de política de Segurança Pública existente no território baiano, com enfoque dedicado à remuneração na Polícia Civil. Conforme ressaltou o presidente do colegiado e proponente do encontro virtual, deputado Hilton Coelho (Psol), embora definida na Lei Orgânica da Polícia Civil da Bahia, o salário de nível superior da categoria ainda é uma pendência no Estado.
De acordo com o parlamentar, a problemática já se arrasta há 12 anos, sem nenhuma providência tomada pelo Executivo. “O trabalhador policial está jogado, sem qualquer valorização, principalmente do ponto de vista do salário de nível superior, que está na lei, mas é ignorada pelo governo. O reconhecimento do salário de nível superior da categoria é uma necessidade gritante. É uma justiça para uma categoria”, afirmou.
Para Hilton Coelho, o quadro de desvalorização do policial civil por parte do Governo do Estado é evidenciada nas peças orçamentárias, o que nas palavras do legislador, destina investimentos pífios para a investigação na Bahia. “Precisamos de um projeto de segurança pública que garanta proteção da sociedade, e não que atente contra o próprio cidadão. Não devemos esquecer que quem paga com o enfraquecimento da polícia é a sociedade”, enfatizou, ao ressaltar que a audiência pública servirá de documento norteador para a sua atuação parlamentar.
Com o engajamento do público, a ALBA registrou no encontro um recorde de espectadores na sala virtual, superando a marca dos 420 conectados, entre eles integrantes da categoria policial, de associações, entre outras instituições da sociedade civil. Entre os participantes da audiência pública, o cientista político e delegado da Polícia Civil do Rio de Janeiro, Orlando Zaccone realizou uma palestra para o público presente. Obedecendo o tempo estabelecido de 20 de minutos, o integrante do Movimento dos Policiais contra o Fascismo, comentou o contexto nacional da Polícia Civil.
Segundo Zaccone, no Brasil, equivocadamente, o policial está associado ao conceito de guerreiro, resultado de um discurso sustentado pelo Poder Público, que leva ao imaginário social que os policiais não precisam de nada além de uma arma e distintivo para garantir a segurança. Tal percepção fantasiosa, conforme ressaltou o delegado, fragiliza a categoria, que atua sem condições adequadas de trabalho.
“A estigma do policial como herói ou guerreiro descaracteriza o policial como trabalhador. O herói não precisa de boas condições de trabalho e não visa nada em troca para garantir a segurança pública. Tem gente que entende que o policial é um privilegiado por representar a Segurança do Estado, e isso não é verdade. O policial é um trabalhador como outro qualquer, um prestador de serviço. Mas setores da sociedade não têm interesse nessa construção. Ter porte de arma não é privilégio, é um ônus. E por ser um ônus, ele deve ter uma contrapartida. A situação verdadeira vai muito além da construção do policial como herói ou bandido”, afirmou o delegado, que ganhou destaque nacional pela resolutividade do caso Amarildo, em que o morador da Rocinha foi executado por policiais militares do Rio de Janeiro.
Durante todo o encontro, os microfones ficaram abertos para a participação do público. Entre as principais demandas apresentadas destacaram-se o recrutamento de policiais de nível superior por salário proporcional à formação acadêmica; e a urgência de maior orçamento e condições de trabalho, incluindo amparo tecnológico à categoria.
Representando o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o policial civil Roberto José Silva chamou a atenção para a necessidade mudança da concepção meramente militarizada das polícias no Brasil. O participante criticou o modelo de Segurança Pública atual e ressaltou os resultados insatisfatórios das investigações na Bahia, pela falta de condição adequada de trabalho do efetivo policial.
“A cada 100 pessoas assassinadas, nós só conseguimos desvendar 5%. Isso mostra para o crime organizado que matar resulta em impunidade. Fazendo uma alusão, se a polícia civil fosse uma empresa, seria uma empresa falida. Os governadores gostam de investir em algo visível, por isso, investem na política do ostensivo. Não investem tanto na investigação. Temos uma polícia criada no século 19 que não se modernizou”, criticou.
Para o presidente do Sindicato dos Policiais Civis da Bahia (Sindpoc), Eustácio Lopes, a categoria aguarda uma reparação histórica. Conforme ressaltou o gestor, uma auditoria da Polícia Civil realizada em 2016 pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE-BA) concluiu que a instituição precisa de um novo modelo de gestão. À época o Ministério Público de Contas fez um encaminhamento aos órgãos de controle de gestão, para o parlamento baiano e para o governo estadual, mas nenhuma das recomendações foi atendida.
“Permanecemos com uma gestão ineficiente, com um déficit de 32% de trabalhadores policiais, e nenhuma providência é tomada. É importante destacar que, quando falta a certeza da punição, gera a certeza de violência por parte da criminalidade. Além disso, vivemos na pandemia momentos terríveis. Vários policiais civis com comorbidades tiveram que trabalhar e comprometeram a própria vida, pois somos considerados serviço essencial. Entretanto, o nosso sacrifício não é correspondido”, desabafou Lopes, ressaltando ainda que muitos policiais têm sofrido problemas psicológicos, sem contar com qualquer amparo do Estado.
Representando a delegada-geral da Polícia Civil, o delegado Gildécio José de Souza concordou com os pleitos da categoria, pregando a união. “As melhorias da categoria devem sair do Poder Legislativo, que é representante dos policiais e da população. Todas as reivindicações são justas. A polícia é um conjunto dos delegados, investigadores e escrivães. Somos uma equipe, devemos ficar unidos nesses pleitos”, afirmou.
De acordo com a presidente do Sindicato dos Peritos Papiloscopistas da Bahia (Sindpep), Clarice Gomes, a Polícia Civil precisa ser respeitada e tratada como uma instituição de inteligência para a Segurança Pública. Para Clarice, a polícia é um instrumento para atender a sociedade, mas, para isso, precisa estar devidamente equipada e capacitada.
“Devemos ser capacitados para isso. Falar de salário é falar de dignidade. A forma como somos tratados na instituição, é a forma que tratamos a sociedade. Se a sociedade tem uma polícia ruim é porque a polícia está sendo mal tratada. A gente já está atrasado há mais de 10 anos. Estamos com nossa dignidade impactada. Precisamos cobrar do governo”, ressaltou.
Os deputados Fátima Nunes (PT), Maria del Carmen (PT) e Osni Lula Cardoso da Silva (PT) também participaram da audiência pública. Os parlamentares ressaltaram a importância do encontro realizado, afirmaram apoio aos leitos, principalmente, no que tange o estabelecimento de diálogo com o Governo do Estado. Para Maria del Carmen, o ato representa uma luta necessária para que as polícias melhorem o serviço prestado, mediante a valorização da categoria em sentido amplo. “Essa luta de policiais civis de salários justos é importante. Podem contar comigo nessa luta pela valorização das polícias. Precisamos repensar o modelo, desde a redistribuição de policiais pelo estado da Bahia”, afirmou.
Segundo Fátima Nunes, o resultado da audiência pública será de trabalho intenso. “Quando termina uma audiência pública, começa a missão. A audiência tem um simbolismo muito grande. A mudança do modelo de segurança pública é muito importante”, destacou.
A partir do encontro, será construída uma ata que embasará parcela do trabalho legislativo, através de luta encabeçada pelo deputado Hilton Coelho e os demais presentes no evento virtual.