Não é de hoje que o medo em ir e vir assola toda a nossa sociedade. Violência por todo canto de forma descontrolada traz esse ar de preocupação e de muitas vezes permanecermos em quarentena adentro dos nossos lares. Pior ainda é a situação de quem deveria nos dar segurança e na verdade o que acabam nos dando: tiros por engano, levando assim e matando toda uma história, toda uma vida que independente de qualquer coisa é uma VIDA.
A nossa Constituição no seu artigo 5º, inciso XV garante a nossa livre locomoção deixando assim um ar de segurança para todos. Foi triste começarmos essa semana, precisamente na segunda-feira com a notícia de que o músico Evaldo dos Santos não foi assistido pelo artigo supracitado. A sua vida foi interrompida não pela violência que o deixava muitas vezes com medo de sair, mas sim pela violência do Estado. O mesmo tinha saído com sua família para uma festa comemorativa e teve seu carro alvejado com 80 tiros. Sim, isso mesmo, 80 tiros!
Fico me questionando quantos e mais quantos terão que morrer como mártires e serem esquecidos para que uma política de controle e segurança certa seja realmente eficaz no nosso Brasil. Fico me questionando com quantos tiros seremos mortos, pois segunda-feira foi Evaldo, amanhã poderá ser eu ou você. Até quando a injustiça pelas mãos daqueles que deveriam ser os nossos defensores irá chegar? É uma falácia falarmos que a violência vem só de bandidos que a TV julga e ser. A violência vem de quem menos esperamos: do marido que agride sua esposa, do “amigo” que está ao nosso lado, do Estado que dá 80 tiros em um inocente ou até mesmo de um chefe de Estado que exalta a mais triste ditadura.
Lembro muito bem da crônica Mineirinho escrita por Clarice Lispector no ano de 1979 que conta a história de um homem brutalmente assassinado por 13 tiros e como de praxe: entrou para mais um número de estatística. A autora diz com tanta consciência o que pode ser dito também nesses 80 tiros covardemente atirados sob um ser humano pai de família, honesto que pagou com a própria vida a irresponsabilidade do Estado. Já dizia Lispector: “Esta é a lei. Mas há alguma coisa que, se me faz ouvir o primeiro e o segundo tiro com um alívio de segurança, no terceiro me deixa alerta, no quarto desassossegada, o quinto e o sexto me cobrem de vergonha, o sétimo e o oitavo eu ouço com o coração batendo de horror, no nono e no décimo minha boca está trêmula, no décimo primeiro digo em espanto o nome de Deus, no décimo segundo chamo meu irmão. O décimo terceiro tiro me assassina — porque eu sou o outro. Porque eu quero ser o outro”. O Estado muitas vezes não é o outro, infelizmente.
Em suma, meus caros, todo cuidado é pouco nesse tempo em que o outrora reflete muito no nosso presente. Uma democracia tão jovem, tão inocente, que é agredida a todo momento e pelo gosto de muitos já teriam também dado 80 tiros na mesma e declarado uma ditadura. Enquanto isso, vivemos uma outra ditadura: a da hipocrisia, das falsas promessas, do discurso de ódio e preconceitos. E Evaldo? O mesmo perdeu a sua vida de forma tão brutal que me deixa – repito – a questionar: com quantos tiros serei morto?
Por Mateus Mozart Dórea – Filósofo pelo Destino – Graduando em Direito pela Universidade Católica do Salvador.