Uma das empresas investigadas na Lava Jato, a construtora Camargo Corrêa revelou ao Conselho Administrativo de Defesa Economica (Cade) um megaesquema de cartel em obras de metrôs de 7 estados e do Distrito Federal, que teria operado durante 16 anos no país.
As revelações constam do acordo de leniência assinado entre a empresa e o conselho no âmbito da Lava Jato.
A Camargo Corrêa apresentou ao Cade indícios ou comprovação de condutas anticompetitivas que ocorreram, entre 1998 a 2014, em obras de transporte de passageiros sobre trilhos nos estados da Bahia, Ceará, Minas Gerais, Paraná, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e São Paulo, além do Distrito Federal (veja ao final deste post o que dizem os governos estaduais).
O acordo de leniência é uma espécie de delação premiada das empresas. O efeito dela para o beneficiário (no caso a Camargo e as pessoas que assinam o acordo) pode ser até mesmo a imunidade administrativa e penal. As demais empresas serão processadas normalmente. O acordo beneficia o primeiro que se oferecer para colaborar.
Nesta segunda-feira (18), o Cade assinará o despacho que abre o processo administrativo para investigar os fatos relatados pela Camargo Corrêa. O acordo do Cade será assinado em conjunto com o Ministério Público Federal de São Paulo, que investiga a parte criminal envolvendo o cartel.
Batizado pelos próprios integrantes do cartel de “Tatu Tênis Clube”, o grupo formado por Camargo Corrêa, Odebrecht, Andrade Gutierrez, OAS e Queiroz Galvão atuou em, pelo menos, 21 licitações, com resultados diferentes (leia ao final deste post o que dizem as construtoras).
O cartel consiste em fixações de preços, condições e vantagens, divisão de mercado entre os concorrentes e troca de informações entre as empresas que têm interesse na obra.
No relatório ao qual a Globonews e a TV Globo tiveram acesso, a empresa relatou três fases de operação do cartel. O primeiro período vai de 1998 a 2004 e é chamado de “fase histórica”. Neste recorte, dividiam as obras Andrade Gutierrez, Odebrecht e Camargo Corrêa.
Segundo a Camargo Corrêa, a concorrência permanente e a proximidade teriam motivado a associação entre as empreiteiras.
‘Tatu Tênis Clube’
A segunda fase ocorreu de 2004 a 2008, quando o cartel foi batizado de “Tatu Tênis Clube”. Formaram o grupo cinco das maiores construtoras do país: além das três primeiras, OAS e Queiroz Galvão se juntaram ao grupo, também chamado de “G5”.
Entre 2008 a 2014, relatou a Camargo Corrêa aos investigadores, aumentou o volume des obras, mas, simultaneamente, surgiu concorrência por parte de empresas estrangeiras.
Para conseguir operar as obras nos estados, o relatório cita que, entre 2009 e 2013, executivos de alto escalão das empresas brasileiras se reuniram pelo menos 27 vezes para trocar informações sensíveis para os acordos.
A partir dos encontros, as empresas se organizavam para fazer propostas maiores ou mesmo abriam mão de apresentar propostas para evitar disputas.
Atuação do cartel
Das 21 licitações em que o chamado “Tatu Tênis Clube” operou, a Camargo Corrêa citou indícios de acordo entre as empresas em seis concorrências. Além disso, a empreiteira revelou que, em oito licitações, não houve acordo por motivos alheios à vontade do grupo.
Em outras cinco concorrências, declarou a construtora ao Cade, o grupo tentou atuar, mas não concluiu o processo licitatório. E em dois casos específicos a construtora aponta a realização de acordo com sucesso.
Apenas ao final da investigação, se comprovados todos os requisitos exigidos pelo Cade, é que se confirma a leniência e se extingue a pena. As demais empresas podem confessar e colaborar, em um acordo chamado TCC, mas sob pagamento de multa.
O que dizem as empresas
A Andrade Gutierrez informou que segue colaborando com as investigações em curso dentro do acordo de leniência firmado pela empresa com o Ministério Público Federal. A empresa também reafirmou compromisso de “esclarecer e corrigir todos os fatos irregulares ocorridos no passado”.
A Queiroz Galvão afirmou que não comenta investigações em andamento.
Já a Odebrecht disse que está colaborando com a Justiça no Brasil e nos países em que atua e “já reconheceu os seus erros, pediu desculpas públicas, assinou um acordo de leniência com as autoridades do Brasil, Estados Unidos, Suíça, República Dominicana, Equador e Panamá”.
A Odebrecht disse que “está comprometida a combater e não tolerar a corrupção em quaisquer de suas formas”.
A assessoria do Metrô de São Paulo afirmou que a empresa pública é a maior interessada “na apuração das denúncias de formação de cartel ou de conduta irregular de agentes públicos e, assim, continua à disposição das autoridades”.
A OAS não quis se manifestar.
O que dizem os governos
A assessoria do governo de Minas Gerais se limitou a dizer que o metrô de Belo Horizonte é administrado e operado pela CBTU, órgão federal vinculado ao Ministério das Cidades.
O governo do Paraná afirmou ao G1 que não tem o que comentar sobre o assunto. Segundo a assessoria do governador Beto Richa (PSDB), “não há obra de metrô no estado.”
O governo do Rio de Janeiro também disse que não comentaria a acusação da Camargo Corrêa.
A prefeitura de Curitiba ressaltou que a licitação do metrô estava suspensa quando a atual administração, do prefeito Rafael Greca (PMN), assumiu. Sobre as acusações da empreiteira, que envolvem outras administrações, a prefeitura afirma que irá acompanhar as investigações para depois tomar as eventuais medidas cabíveis.
A prefeitura de Porto Alegre, comandada pelo tucano Nelson Marchezan Júnior, disse não ter “nada a declarar sobre supostas ocorrências envolvendo o projeto do metrô em gestões anteriores”.
O Metrô do Distrito Federal divulgou a seguinte nota: “O Metrô-DF informa que as denúncias envolvendo a Camargo Corrêa e demais empresas investigadas pelo Ministério Público Federal (MPF), e pelo CADE, em segredo de Justiça, envolvem contratos assinados em gestões anteriores. A atual gestão não mantém nenhum contrato com as empresas citadas na investigação. Sobre os serviços de manutenção da empresa, o Metrô-DF realizou uma nova licitação em 2015, com economia de R$ 57 milhões, anualmente, em relação aos contratos anteriores.”
O G1 entrou em contato com os governos de Bahia, Ceará, Rio Grande do Sul e São Paulo, mas ainda aguardava uma resposta até a última atualização deste post.
Fonte: G1