Renan Oliveira, 24, já colocou na cabeça. Ao sinal de qualquer problema mais sério, vai largar tudo e deixar a Ucrânia. O atacante é um dos 30 brasileiros que estão espalhados pelas 16 equipes da primeira divisão do país.
“A gente tenta ficar controlado o máximo possível. Falei para os meus pais que, por enquanto, está tudo bem. As pessoas no clube estão tranquilas. Mas, na primeira coisa que estourar, vou embora”, disse o jogador que atua pelo Kolos Kovalivka.
O discurso dos dirigentes é o mesmo para outros brasileiros ouvidos pela Folha. Não há motivo para pânico, a vida deve ser levada normalmente. E eles constatam que isso tem acontecido. Apesar do inverno rigoroso, a população tem tentado ignorar a possibilidade de conflito armado.
“Tudo o mundo me pergunta como está aqui. Alguns até brincam e querem saber se vou para a guerra. Eu vim para a Ucrânia por ser futebol europeu. Já sabia que havia problema, mas em nenhum momento passou pela minha cabeça a possibilidade de algo mais sério”, diz o meia-atacante Talles, 23, que está no Rukh Lviv.
Na memória dele está uma entrevista do atacante Bernard, hoje no Sharjah, dos Emirados Árabes Unidos, a dizer que não podia sair de casa (na época da anexação da Crimeia) porque era possível escutar sons de tiros. Ele jogava na época no Shakhtar Donetsk, que teve de se mudar para Kiev por causa do conflito.
Dos 30 atletas brasileiros na elite ucraniana, 12 estão no time de Donetsk.
A Ucrânia é uma espécie de eldorado para os jogadores nacionais nos últimos 15 anos. Os clubes são reconhecidos por pagar salários excelentes, muito maiores do que a média no Brasil, e em dia. Também podem servir como porta de entrada para ligas mais relevantes no continente. Foi o que aconteceu, por exemplo, com Fernandinho (Manchester City) e Fred (Manchester United).
“Para dizer a verdade, só agora que deu para pensar nesse assunto porque eu já cheguei treinando e jogando. Nem tive tempo para muita adaptação à vida da Ucrânia”, completa Talles, que se transferiu para o Rukh Lviv em janeiro do ano passado. No início de 2022, para fugir do auge do inverno, estava com seus companheiros em pré-temporada na Turquia.
Isso é comum para as equipes do país. A neve e as temperaturas baixas fazem o campeonato ser interrompido ao final de cada ano. Ser qualquer agravamento do clima. Em 2014, o clube tinha um esquema de emergência para retirar os atletas de Donetsk.
“Quaa. Na real, quando fiquei sabendo que viria para cá, conhecia pouquíssimo da história. Sabia apenas que muitos brasileiros jogavam aqui. Fiz uma pesquisa para saber o que poderia acontecer”, afirma Renan Oliveira.
O discurso dos dirigentes é que poderia haver um acordo intermediado pela Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte), de maneira que os países europeus teriam acesso facilitado para entrar na Ucrânia e defender a região.
Depois de um aparente recuo de tropas russas na fronteira, a situação ficou mais tensa na última quinta-feira (17). O governo de Vladimir Putin expulsou o vice-embaixador dos Estados Unidos e ameaça reagir à interferência ocidental. O presidente americano, Joe Biden, mencionou a possibilidade de guerra.
“O que mais assustou as pessoas que vivem na Ucrânia foram as embaixadas pedindo que seus cidadãos deixassem o país. Isso preocupou. Mas tanto o presidente do nosso clube quanto os governantes dizem que é uma situação controlada e não vai afetar o futebol. Vamos ver”, finaliza Renan Oliveira.
Mas, se ficar pior, ele já sabe o que vai fazer.
FOLHAPRESS