Com apenas nove anos, Davi Santos Souza já sofreu nove fraturas na região dos quadris e dos membros inferiores. A primeira foi aos quatro anos, no pé. Seis meses depois, jogando bola, fraturou a tíbia. Com cinco anos, o fêmur. Já quebrou a perna ao tentar vestir uma simples bermuda. Seria uma fratura exposta não fosse a agilidade da mãe ao socorrê-lo. Davi sofre de osteogênese imperfeita, uma doença rara e hereditária que prejudica a formação dos ossos e os torna frágeis. O pai é cadeirante e sofre da mesma alteração óssea. O avô, também sofria. Ela é causada por genes defeituosos que afetam o modo como o corpo produz colágeno, uma proteína que ajuda a fortalecer os ossos.
Davi está internado desde o dia 11 no Hospital Materno-Infantil Dr. Joaquim Sampaio, em Ilhéus. Ele precisou implantar uma haste telescopada na perna esquerda. É um método de prevenção de fraturas em crianças e adolescentes em fase de crescimento. Um diagnóstico de intervenção cirúrgica que não é tão recente assim. Mas que a família vinha lutando para conseguir realizar. O Sistema Único de Saúde (SUS) não paga pela haste.
Desde que a mãe suspeitou da doença, foram inúmeras as idas e vindas ao hospital especializado, no Subúrbio de Salvador, onde realizou consultas de rotina. O sofrimento da criança – explica Luana dos Santos, de 25 anos -, começava desde o transporte na ambulância. “Ele sentia muitas dores até quando passava por um quebra-molas. Havia também o risco de ele sofrer novas fraturas”, revela. Esta semana ele fez mais uma viagem para uma consulta em Salvador. A família chegou a ser aconselhada a ingressar na justiça para garantir a aquisição da haste e a cirurgia do filho. Mas sempre teve a consciência de que o processo seria lento demais para um caso que exige rapidez na solução.
Chegada ao Materno-Infantil
A história de Davi começou a mudar no mais recente acidente ocorrido com ele. Na nona fratura ocasionada ao tentar descer do sofá, Davi precisou ser socorrido pelo Samu, que o trouxe pela primeira vez para o HMIJS. O hospital não conta com um centro de ortopedia pediátrica, mas acolheu Davi e o colocou na tela do sistema de regulação do estado. O provável destino seria, mais uma vez, a capital, Salvador. “Não sei explicar. Logo que cheguei percebi que aqui era um lugar diferente, acolhedor, humanizado. Senti a energia positiva das pessoas e percebia que algo de bom iria acontecer”, disse a mãe de Davi.
Parceria pela vida
A energia sentida por Luana resultou em uma grande corrente de solidariedade. A Fundação Estatal Saúde da Família (FESF SUS) e o Governo da Bahia, através da Superintendência de Atenção Integral à Saúde, departamento responsável pela área hospitalar da Sesab, firmaram um acordo para que a haste pudesse ser adquirida e a cirurgia realizada no próprio Hospital Materno-Infantil. Uma equipe médica foi contratada para a realização da intervenção cirúrgica, sob a responsabilidade do ortopedista pediátrico Gustavo Bahia. Na última quarta-feira, o hospital recebeu um “Arco Cirúrgico”, equipamento fundamental para este tipo de cirurgia, que garante aos profissionais executores uma maior compreensão das estruturas e precisão dos movimentos.
Planejamento para a cirurgia
Nos últimos dias, foram inúmeros os encontros com paciente, familiares e equipe médica, planejando todo o procedimento. “É um milagre. Não tínhamos perspectiva da cirurgia nem mesmo em outro lugar por que ela é muito cara. E ele a teve perto de casa, sem custo”, revela Luana. Nesta terça-feira (03), pela manhã, o centro cirúrgico do hospital viveu um momento histórico. Realizou três intervenções cirúrgicas ortopédicas. Dentre elas, a primeira, a de Davi.
A iniciativa revela o avanço em cirurgias de grande porte que passaram a acontecer com mais frequência no interior da Bahia, graças à política de humanização e a estrutura criada nos últimos anos pelo Governo do Estado com forte apoio da FESF SUS. Até então, para intervenções mais complexas, pacientes tinham que se deslocar até Salvador. A chegada deste “arco cirúrgico”, por exemplo, é mais um grande passo para que esta especialidade passe a ser oferecida com mais regularidade na unidade de Ilhéus. De acordo com a diretora Domilene Borges, já há uma tratativa com o estado para a implantação do serviço e a proposta já foi encaminhada à Secretaria Estadual da Saúde. O Hospital Materno-Infantil foi inaugurado em dezembro de 2021. Um investimento em obras e equipamentos que ultrapassa a cifra de 40 milhões de reais.
Em 2022, o hospital registrou o nascimento de 3.117 bebês, 5.032 internações e 7.065 atendimentos ginecológicos e obstétricos. 230 recém-nascidos foram atendidos e ficaram internados na UTI Neonatal da instituição. Projetado para servir a população de oito municípios da região de Ilhéus e 12 da região de Valença, no baixo-sul da Bahia, o HMIJS chegou ao final de 2022 com 110 municípios atendidos. Para além dos 20 municípios pactuados, o hospital abrigou pacientes de mais 70 cidades de outras regiões da Bahia e de 20 cidades de outros estados da federação.
Limitações com dias contados
Luana, a mãe de Davi, lembra que durante todo este tempo em que lutou pela cirurgia do filho, ele estudou apenas dois anos em um ambiente físico de escola. “Davi aprendeu a ler e a escrever em casa, sozinho, sem professor. A sala de aula dele é na cama. Quando tinha uma dúvida ele acionava a professora pelo celular”, revela. Brincadeiras com as outras duas irmãs e com os amigos da rua, eram impossíveis de acontecer. “Vez por outra a gente colocava ele numa cadeira de rodas e levava rapidamente à porta de casa”, explica a mãe de Davi. Mas era sempre uma iniciativa tensa, por conta dos cuidados que todos precisavam ter. “Ele sofria muito. Toda vez que fraturava um osso ele me perguntava: por que isso só comigo? Eu tinha medo que tudo voltasse a acontecer”, esclarece. Luana e Davi não veem a hora de voltar a uma rotina de normalidade. “Davi está feliz e tem confiança de que vai voltar a andar. O que ele quer mesmo é ser uma criança normal, só isso”, resume, emocionada.