Alunos do Colégio Militar de Salvador (CMS) teriam sido obrigados a ficar em forma na chuva durante 45 minutos na última quinta-feira (6). É o que uma representação apresentada no Ministério Público Militar (MPM) na sexta-feira (7) afirma. Os estudantes do CMS, que têm entre 10 e 18 anos, teriam sido obrigados a permanecer em forma durante uma “formatura” de treinamento mesmo com uma “chuva torrencial”, como foi descrito na representação. A formatura teria ocorrido entre 6h45 às 9h e, após o treinamento, as crianças teriam ficado durante toda a aula, que perdura até 12h00 nas quintas, com seus uniformes molhados. Alguns celulares, boinas e sapatos teriam sido danificados por conta da chuva. Uma aluna do segundo ano, que não quis se identificar, contou ao Bahia Notícias que ela e um grupo de alunos ainda tentaram sair de forma, mas que o comandante teria dado voz de comando para que elas retornassem. “Estávamos em forma no ensaio da formatura e começou a chover. A nuvem estava indo de um lado para o outro, chovendo devagar, até que começou a chover muito mais forte. A gente ainda comentou, em forma, que ele [o comandante] iria liberar, porque geralmente é assim, mas não aconteceu. Então eu e um pessoal saímos de forma sem ninguém mandar, porque estava chovendo muito forte, mas o comandante falou para a gente voltar porque ninguém tinha dado ordem para sair de forma, e a gente voltou. Eles mantiveram a gente em forma por mais ou menos 30 minutos”, contou a estudante. Dentro do Colégio Militar existe uma hierarquia, em que militares atuam diretamente com as crianças, que são monitores e subordinados aos comandantes de companhia. A autoridade máxima do CMS é o comandante de Engenharia Carlos Hassler, que assumiu o comando da Escola de Formação Complementar do Exército e Colégio Militar de Salvador (EsFCEx/CMS) no final de 2015. A ordem para manter os alunos em forma teria partido dele, que estava presente presidindo a formatura. Hassler afirmou que o fato ocorreu porque “o comando achou que [a chuva] ia passar logo, mas não passou”. “Não foi uma coisa rotineira, não foi uma coisa intencional. A situação aconteceu e depois que todos já estavam molhados, resolvemos continuar”, afirmou. O comandante ainda afirmou que, geralmente, em dias de chuva, as crianças são retiradas do pátio, que é descoberto, e levadas para lugares com cobertura. “Normalmente o procedimento é sempre de retirar as crianças do pátio. Isso depende das circunstâncias, se estamos no meio de uma atividade, a tendência é tirar as crianças. Se estamos lá no pátio [que é descoberto], nós tiramos e as levamos para o saguão do CMS [que possui cobertura]”, esclareceu. Uma representação contra a determinação do comandante foi levada ao MPM pelo Tenente Messias Dias, que preferiu não se pronunciar. Nela, o tenente, que tem dois filhos no colégio, afirma que as ações foram “em desacordo com os ditames legais, no tocante ao trato com as crianças, especialmente por total desacordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)” e classificou o ocorrido como um “absurdo”. O militar ainda pede que os fatos sejam investigados e que as “providências cabíveis” devam ser tomadas. Ele ressalta que o comandante é a autoridade máxima do CMS. “Pior, o absurdo partiu justamente da maior autoridade da EsFCEx e CMS, não existindo qualquer outro, naquela Organização Militar, com capacidade hierárquica de lhe orientar e tomar medidas disciplinares”, afirmou.
A representação agora está no Ministério Público Militar (MPM), que é o ramo responsável pela ação penal militar, no âmbito da Justiça Militar da União. O promotor de Justiça Adriano Alves é o responsável pela análise do fato. “Eu recebi a representação na segunda e estou fazendo diligências, estamos pedindo informações. Nós estamos analisando a conduta de uma pessoa e não analisando o Sistema Colégio Militar, que é uma instituição centenária e acredito que um dos melhores sistemas de ensino atuais”, afirmou. O procurador afirmou que deve realizar a oitiva de pessoas para se convencer de como as coisas aconteceram. “Para isso, é necessário bastante prova. Eu não instaurei um processo de investigação, primeiro tenho que saber como as coisas aconteceram”, explicou, afirmando que sempre há a possibilidade de sanções quando uma representação é protocolada, mas que também há a possibilidade de um arquivamento do caso. O Colégio Militar de Salvador emitiu uma nota oficial explicando a situação. “Uma chuva torrencial comprometeu o andamento das atividades, e como não cessou a chuva, apesar do treinamento ser finalizado antes do tempo programado, a tropa já havia se molhado”, afirma a nota que ressalta que medidas para atenuar a situação foram realizadas. Alunos que levaram o uniforme de Educação Física da instituição puderam se trocar, alguns pais teriam levado uniformes secos para serem substituídos e chocolates quentes teriam sido servidos pelo colégio. “O Sistema Colégio Militar do Brasil é pautado em sólidos valores morais, éticos e sociais e não é prática corrente a condução de treinamentos sob condições climáticas extremas, seja chuva ou excesso de sol”, diz a nota. A Associação de Pais e Mestres (APM) do Colégio Militar de Salvador foi procurada pelo Bahia Notícias e afirmou que deu suporte a todos os envolvidos, mas que não iria emitir opiniões sobre o fato. O Tenente Messias Dias também foi contatado pelo Bahia Notícias, mas não quis se pronunciar sobre o caso. Sobre os danos materiais que os alunos teriam sofrido, a aluna do segundo ano afirmou que alguns alunos tiveram suas boinas, parte obrigatória do uniforme, sapatos e até mesmo os celulares danificados. “O meu mesmo ficou com o display afetado durante dias, mas agora voltou ao normal”, contou. O coronel Carlos Hasler afirmou que não recebeu notificação oficial sobre danos materiais, mas que, se receber, os casos serão analisados pelo comando do CMS.