A exportação de animais vivos no Brasil consiste em exportar bovinos vivos em grandes embarcações, por via marítima. Os principais destinos são os países do Oriente Médio, principalmente a Turquia e o Norte da África, onde os animais serão abatidos conforme o preceito da religião muçulmana (método Halal).
São viagens de longos percursos em embarcações antigas, às vezes adaptadas para essa finalidade e em situações ambientais desafiadoras que podem durar até 3 semanas. Durante toda a viagem, os animais são mantidos em baias, com ventilação artificial e em uma densidade de animais alta que impede o conforto mínimo de todos os indivíduos.
O Fórum Animal está aderindo a uma campanha internacional proposta pela Compassion in World Farming (CWF), entidade de proteção animal britânica que propõe que todos se juntem para apoiar iniciativas pela proibição das exportações de animais vivos no próximo dia 14 de junho, como parte das ações da sétima edição do “Dia Internacional de conscientização pelo fim da exportação de animais vivos”. Desde 2016, a CWF realiza no dia 14 de Junho inúmeras ações e reúne pessoas de todo o mundo para protestar contra a continuação deste comércio cruel e desnecessário. Este ano, será lançado um novo vídeo de grande impacto para pressionar a União Europeia que reveja os regulamentos da prática.
Todas as pessoas podem agir e ajudar nesta luta de diferentes maneiras. Podem se juntar a nós em um “Twitterstorm” ou assinar a petição proposta com o objetivo de propor que a UE proíba este comércio cruel e desnecessário. Todos os anos, milhões de animais vivos, incluindo bezerros, ovelhas e porcos são transportados por via rodoviária, ferroviária, marítima ou aérea através dos continentes. Mais de três milhões são exportados somente da UE.
Anualmente, 11 milhões de bovinos são exportados vivos para abate em navios por longas distâncias, sendo que 18% desses animais partem de portos na Oceania e na América do Sul. A Austrália segue sendo o maior exportador de bovinos vivos por via marítima do mundo e o Brasil ocupa a 2ª posição no ranking. Em 2019, o Brasil foi o maior exportador de bovinos vivos para o Oriente Médio e o segundo para o Norte da África (FAO, FAOSTAT: Trade: Live animals, Ministério da Economia, COMEX STAT: Exportação e Importação Geral, Relatório Investigativo da Exportação de Animais Vivos no Brasil, Mercy for Animals, 2021). Durante este tempo, eles sofrem condições horríveis, como superlotação e temperaturas extremas que causam enorme dor e angústia.
O transporte fluvial de animais vivos no Brasil iniciou em 2002 e apenas 3 estados concentram quase 95% das exportações marítimas de bovinos vivos. Atualmente os animais são embarcados dos Portos de Vila do Conde (PA) – 66,4%, Rio Grande (RS) (20%, São Sebastião (SP) (8,3%) (período de 2012 a 2020). Entre os anos de 2016 a 2020, a participação da atividade nas exportações dos três estados foi insignificante, representando apenas 1,15% das exportações do Pará (em US$ FOB), 0,34% das exportações do Rio Grande do Sul e 0,06% das exportações do estado de São Paulo, mostrando que no aspecto econômico, a prática também não agrega para o país (FAO, FAOSTAT: Trade: Live animals, Ministério da Economia, COMEX STAT: Exportação e Importação Geral, Relatório Investigativo da Exportação de Animais Vivos no Brasil, Mercy for Animals, 2021)
Segundo dados obtidos no site do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços, em 2018, o total de exportações atingiu mais de 700 mil animais e desde então vem apresentando um expressivo declínio. Em 2019 foram 473.925 animais, seguido por 328.654 em 2020 e 59.908 em 2021.
Banir a exportação marítima de animais vivos para abate faz parte do plano nacional de bem-estar animal do Reino Unido após deixar a União Européia e o Governo da Nova Zelândia (NZ) anunciou o fim da exportação marítima de bovinos vivos com um prazo de transição.
Este ano, há uma chance crucial de influenciar a legislação da UE, pois as Comissões farão revisões legislativas em regulamentos de transporte. Portanto, há possibilidade de pedir aos ministros da agricultura nacionais para incluir a exportação de animais vivos nas pautas de discussão. Mudanças nos mercados internacionais são um importante termômetro e forçam modificações no comércio internacional como um todo, incluindo o Brasil.
Nós que estamos fora da UE podemos assinar a petição da Compassion organizada em conjunto com a Four Paws e WeMove Europ que até hoje já recolheu mais de 900.000 assinaturas. No Brasil, o Fórum Animal periodicamente realiza ações de conscientização pública, busca o engajamento de apoiadores e se envolve em ações judiciais pedindo a interrupção dessas operações.
As duas edições passadas desta manifestação foram realizadas virtualmente devido às restrições impostas pelo COVID-19, mas receberam grande apoio e mobilização em mais de 40 países e por mais de 150 ONGs que se juntaram ao Twitterstorm para conscientizar sobre este comércio horrível com tweets contendo a hashtag #BanLiveExports
“O Fórum Animal é, entre as organizações de proteção animal brasileiras, pioneira na atuação contra a exportação marítima de animais vivos, participando de debates públicos e expondo em ambientes políticos, acadêmicos e nos meios de comunicação, a crueldade intrínseca dessa prática condenável que desrespeita a senciência e o bem-estar animal. Nossa atuação busca ampliar a consideração ética e moral dos animais e garantir que atividades puramente comerciais e desnecessárias como esta sejam eliminadas, pois envolvem intenso sofrimento animal. O Brasil está na contramão dos países mais desenvolvidos que avançaram em políticas públicas e comerciais para proibir ou estão em vias de proibição da prática, entendendo que a sociedade não aceita mais argumentos que em nada justificam o sofrimento intrínseco da exportação de animais vivos”, afirma a diretora técnica do Fórum Animal, a médica veterinária Vania Plaza Nunes.
Sobre a entidade:
Fórum Nacional de Proteção e Defesa Animal (Fórum Animal) – é uma organização fundada há 22 anos visando reunir ativistas e fortalecer ações para a proteção de todas as espécies animais. Construiu uma rede de apoio a outras ONGs por todo o país, com mais de 100 organizações afiliadas que atuam pela defesa do meio ambiente e a proteção animal, prestando apoio técnico e lutando pelo reconhecimento da senciência e dignidade animal.É formada por uma equipe multidisciplinar, incluindo médicos-veterinários, pesquisadores, especialistas em marketing, comunicação, gestão de projetos, advogados e biólogos.
Para saber mais, acesse www.forumanimal.org ou @forum.animal no Instagram
Nossa atuação[1]
O Fórum Animal atua desde 2016 expondo a terrível situação em que os animais são submetidos para a exportação marítima. Nossa equipe técnica e de educação participou de diversas audiências públicas, eventos acadêmicos para discutir o assunto e também elaboramos, periodicamente, materiais de conscientização do público. Além disso, propusemos ação judicial solicitando a interrupção imediata da prática em território nacional até que o país de destino se comprometa a atender condições mínimas de manejo e bem-estar dos animais transportados. Em janeiro de 2018 conseguimos a suspensão temporária da prática. Com isso, o navio NADA, que estava atracado no Porto de Santos com mais de 27 mil bovinos, com destino à Turquia teve sua sua partida suspensa (mesmo que temporariamente) e o caso foi amplamente noticiado, gerando grande repercussão social. A liminar foi suspensa por instância superior que alegou que esta causaria dano à economia pública. No momento, o processo aguarda decisão judicial.
O caso NADA exemplificou a situação terrível a que os bovinos são submetidos em viagens de longo percurso e expôs a prática, até então desconhecida e ignorada pela grande maioria, além de forte mobilização dos ativistas pelos animais. Também temos ações integradas com especialistas em bem-estar animal e outras ONGs nacionais e internacionais buscando sensibilizar a sociedade e aumentar nossa rede de colaboração técnica e apoio pelo fim da prática.
Aspectos técnicos que embasam nossa luta
Os profissionais técnicos e outros interessados no setor defendem que o transporte tem normas que, teoricamente, garantem o bem-estar animal. Entretanto, o que sabemos é que o setor é bem pouco transparente e não expõem a condição dos animais durante a viagem e após a chegada ao país de destino.
Na prática, a situação em que estes animais são transportados é incompatível com qualidade de vida e mínimas condições de bem-estar, uma vez que durante o percurso recebem assistência veterinária insuficiente e há pouca quantidade de profissionais a bordo para realizar manejo adequado e são mantidos em baias com grande densidade populacional que impossibilita movimentos básicos como deitar e levantar e com baixa condição de higiene e limpeza.
Relatórios impactantes foram produzidos pela médica veterinária Lynn Simpson que trabalhou a bordo de mais de 57 navios que exportaram animais da Austrália para outros países e mostram a situação precária em que estes animais eram mantidos.
Este cenário de precariedade predispõem a acidentes, doenças e causam sofrimento e prejuízos intensos ao bem-estar dos animais. Uma das principais causas de mortalidade a bordo é o estresse térmico pela alta aglomeração, ventilação local insuficiente e animais repletos de dejetos pelo corpo, que impede a dissipação do calor. Além disso, há riscos de impactos ambientais, com a contaminação por dejetos e carcaças de animais mortos que são lançados diretamente no mar, riscos de acidentes pois são frotas antigas, e colaboração com problemas sociais e ambientais relacionados a cadeia produtiva, como animais comprados de fazendas envolvidas em desmatamento ilegal para novas áreas de pastagem e até mesmo trabalho escravo, conforme invetigação da Repórter Brasil.
Há ainda fatores potencializadores do sofrimento dos animais, como o transporte rodoviário prolongado (que na maioria das vezes excede às 8 horas previstas na IN 46/2018) – qualidade das rodovias, condução dos caminhoneiros, o manejo pré-embarque, com varas elétricas e agressividade, tempo para adaptação a dieta concentrada, condições que desrespeitam o comportamento natural da espécie e por fim, o método de abate (na grande maioria das vezes sem insensibilização prévia).
Peritos federais atestam a incapacidade do MAPA em analisar os impactos negativos do transporte para o bem-estar animal[1]
Laudo técnico de Peritos Federal elaborados para o caso do Navio NADA apontam que do ponto de vista do bem-estar animal, os exames identificaram uma atividade desestruturada no âmbito do MAPA, obscura, arriscada, obsoleta, capaz de afetar negativamente de modo inaceitável o bem-estar animal (Laudo pericial Nº 0410/2020, página 558). Além disso, os peritos afirmam a incapacidade do MAPA, órgão fiscalizador e regulamentador, de coletar, registrar e analisar dados que possam afetar negativamente o bem-estar animal durante o transporte marítimo e finalizam que no caso do Navio Nada, não houve produção de indicadores de bem-estar animal confiáveis e auditáveis no âmbito do MAPA (Laudo pericial Nº 0410/2020, página 559). Segundo os peritos: “o caso do Navio Nada não é um problema circunstancial, mas estrutural do transporte marítimo de longa distância…” e finalizam dizendo “Esse laudo considera o transporte de animais por longa distância por via marítima atividade obsoleta e perigosa ao bem-estar animal.” (Trecho do laudo pericial Nº 0410/2020, página 550)
[1] Laudo pericial Nº 0410/2020 – NUTEC/DPF/STS/SP LAUDO DE PERÍCIA CRIMINAL FEDERAL SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL MESP – POLÍCIA FEDERAL DELEGACIA DE POLÍCIA FEDERAL EM SANTOS NÚCLEO TÉCNICO-CIENTÍFICO A.