Criminosos estão utilizando dados de vítimas de sequestro para abrir contas em bancos digitais, que depois são usadas para receber, via Pix, o dinheiro de outras pessoas alvos do mesmo tipo de crime.
As contas são criadas enquanto as vítimas estão sob poder das quadrilhas, o que pode durar de algumas horas até alguns dias. Nesse período, primeiro os criminosos limpam as contas da pessoa, transferindo via Pix o dinheiro.
Depois, eles criam essas contas digitais no nome da vítima usando outros celulares e sem que ela saiba. Estas então são usadas para receber o dinheiro de outros sequestros. Além disso, os criminosos também pegam empréstimos na nova conta e depois transferem o dinheiro.
A tática é usada para dificultar a investigação da polícia, já que fica mais difícil rastrear os pagamentos, e acontece após uma alta deste tipo de crime na cidade.
Os sequestros-relâmpagos –modalidade na qual a pessoa passa algumas horas nas mão dos criminosos, em geral dentro de um veículo– teve crescimento de 40% em 2021, na comparação com 2019 (antes do início da pandemia). Em números absolutos, foram 42 casos no ano passado, contra 30 há três anos. Em 2022 até o momento foram registrados 4 casos.
As extorsões mediante sequestros, termo usado quando a vítima passa ao menos um dia no cativeiro, subiram de 5 casos em 2019 para 13 em 2021. No primeiro trimestre deste ano, foram mais 3 ocorrências. Todos os dados são da própria Divisão Antissequestro.
“Vários bancos digitais oferecem serviços no mercado e existe uma facilidade muito grande para abrir uma conta dessa, isso é uma grande dificuldade para a gente. O criminoso corre menos riscos”, disse o delegado Eduardo Bernardo Pereira, da 1ª Delegacia Antissequestro da capital paulista.
O especialista em segurança digital Maurício Paranhos disse que os bancos digitais precisam atualizar constantemente suas regras para abertura de novas contas.
Ele indicou que algumas instituições bancárias digitais exigem, além de cópias de documentos, fotos dos futuros correntistas. Como criminosos acabam fotografando vítimas em cativeiros, ele afirmou que ligações em vídeo, com representantes dos bancos, garantiriam maior segurança nestes casos.
“Também é recomendado para que as pessoas monitorem, junto ao Banco Central, se contas foram abertas em seus nomes, pois há quadrilhas especializadas em captar dados de correntistas. Isso, mesmo sem sequestros, possibilita que contas sejam usadas como laranjas, sem que as pessoas saibam”, alertou Paranhos, que é também diretor de operações da empresa de segurança digital Apura Cyber.
Procurado, o Banco Central afirmou que cabe às instituições financeiras a abertura e o encerramento de contas. O órgão disse ainda que caso a vítima suspeite que alguma conta fraudulenta tenha sido aberta em seu nome, ela deve emitir um relatório por meio do site Registrato.
A Febraban (Federação Brasileira de Bancos) afirmou que as instituições financeiras associadas mantêm equipes exclusivas de combate à fraude documental.
Segundo a entidade, medidas tomadas pelos bancos sobre o assunto incluem a análise do documento original e a conferência das assinatura, além da avaliação da foto de quem quer se tornar correntista. Clientes podem ainda optar em substituir senhas por autenticação biométrica.
Em 2020, a Divisão Antissequestro prendeu 71 suspeitos de envolvimento em sequestros-relâmpagos na capital paulista. Em 2021, foram detidas 80 pessoas. Não foram informados os dados de 2019.
A polícia acrescentou ainda que, mesmo com a criação de contas em nome de vítimas, algumas quadrilhas ainda contam com o apoio de “laranjas tradicionais”. Ou seja, pessoas que oferecem conscientemente as contas bancárias em troca de parte do dinheiro desviado pelos criminosos.
“A gente tem indiciado e responsabilizado [laranjas clássicos] como participes do crime de extorsão. Se não fosse por essas contas, alguns crimes não seriam viabilizados. Antigamente, pagava-se o resgate pessoalmente. Agora, com o Pix, existem as contas beneficiárias. Essa participação é de relevância e o conteiro [laranja] é indiciado como coautor [do sequestro]”, explicou ainda o delegado Pereira.
Isso ocorre quando a polícia constata a intenção da pessoa em oferecer a conta bancária, diferentemente dos casos em que vítimas têm os dados usados para os mesmos fins, mas sem as suas ciências.