Toda pessoa carrega uma bagagem de informações, ideias, emoções, valores e crenças que funciona de modo harmônico e coerente, garantindo sua adaptação ao mundo real. No entanto, a cada momento, surge uma nova informação que pode ter de uma a três características: ela é indiferente aos seus interesses, podendo ou não ser absorvida por você; ela é coerente ou consistente aos seus interesses, sendo rapidamente captada, sem maiores preocupações na verificação de sua veracidade; e, por último, ela é incoerente ou incongruente, causando desconforto ou estresse à mente. Nesta terceira situação, a tendência automática é rejeitar ou eliminar esta informação (quer seja verdadeira ou falsa) para que o sistema de informações recupere sua coerência e homogeneidade.
Esta teoria, proposta por Leon Festinger, em 1957, é conhecida como a Teoria da Dissonância Cognitiva. Se, por um lado, a rápida rejeição da informação incoerente permite ao sistema de informações recuperar harmonia e consistência, por outro, esta eliminação sumária da informação independe de sua veracidade ou falsidade.
Do mesmo modo, a informação coerente aos seus objetivos é rapidamente incorporada por você, sem que haja uma prévia avaliação crítica de sua veracidade. Ambas as situações trazem consigo um problema: servem apenas para manter atualização no seu sistema de informações, mesmo que haja alguma distorção ou uma visão enviesada da realidade.
A rápida e quase automática incorporação ou rejeição da nova informação está relacionada, em geral, a uma tomada de decisão de caráter emocional, tal como uma paixão, quando o racional fica em segundo plano. Muitas vezes, a nova informação requer uma assimilação significativa, trazendo insegurança e desconforto.
Na história da humanidade, um exemplo mostra bem esta situação: durante muitos séculos, acreditou-se que a Terra era o centro do universo e que o sol girava em torno dela, até que o astrônomo Nicolau Copérnico demonstrou o contrário – a Terra não é o centro do universo, ela simplesmente gira em torno do sol. A humanidade demorou um bom tempo para absorver tal “dissonância cognitiva”.
E como lidar com uma nova informação incongruente com o seu sistema cognitivo? O primeiro passo é buscar um certo distanciamento emocional. Só assim, é possível fazer uma análise mais racional sobre essa nova informação. Além disso, é preciso buscar outras fontes que auxiliem na compreensão e, nos tempos atuais, que verifiquem se ela é verdadeira. Concluída esta etapa, o desafio seguinte é reformular o sistema de informações de modo que este ganhe um novo patamar de harmonia e coerência.
Podemos extrapolar esse conceito para a cultura do cancelamento, tão evidente nas redes sociais. É óbvio que há comportamentos que não são mais aceitos, e a sociedade cobra por posicionamentos responsáveis, especialmente de quem tem um grande número de seguidores e os impacta com suas opiniões.
Contudo, o processo de banalização, como divergências naturais e opiniões contrárias, também pode ser alvo do ato de cancelar. Ao invés de promover um debate saudável sobre temas importantes e conflituosos, a cultura do cancelamento se reduz à ameaça ao emprego e as formas de sobrevivência de quem é cancelado.
No lugar das críticas construtivas e do diálogo transformador, o que vemos são comentários revestidos de ofensas e acusações igualmente cruéis. A velha máxima volta à tona: “Só acredito e aceito o que você diz, se disser o que eu quero eu ouvir”. Como podemos observar, apesar da cultura do cancelamento parecer ter um caráter de justiça social, os atos de rejeição em massa afetam gravemente a saúde mental das pessoas canceladas.