Passo tardio, mas na direção certa para a melhoria da proteção animal no Brasil, desde a última sexta-feira se tornou crime em todo o território nacional o extermínio injustificado de cães e gatos por parte de órgãos de controle de zoonoses, canis públicos e estabelecimentos oficiais similares. O abate fora das condições estritamente previstas agora tem punições segundo a Lei de Crimes Ambientais (pena de detenção de 3 meses a um ano).
“A Lei Federal nº 14.228/21 é resultado de um projeto de 2012. É muito positiva porque dá uniformidade em todo o país para um tema que já estava esparsamente tratado há tempos em legislações locais. Mas esse longo período para a aprovação de uma norma tão básica – e curta, são apenas 5 artigos – diz muito sobre a morosidade do nosso processo legislativo e sobre a baixa prioridade dada à causa animal e ambiental no país”, interpreta João Almeida, diretor interino da Proteção Animal Mundial, organização não-governamental que trabalha em prol do bem-estar animal.
A Lei nº 14.228/21, aprovada e sancionada em outubro do ano passado, determina que os agentes públicos só estarão autorizados a sacrificar animais como um último recurso, em caráter de proteção da saúde pública quando estiverem acometidos por doenças graves ou enfermidades infectocontagiosas incuráveis que causem risco aos humanos e a outros animais.
“Dentro da perspectiva de celebrar os pequenos avanços possíveis, mas sem perder a visão do todo, algo que desperta atenção a partir de agora é que a lei trata de apenas um ponto de um problema complexo, por isso há muito a se fazer. Com a proibição explícita do extermínio em todo o Brasil, cresce a responsabilidade das autoridades em investir recursos e fazer aumentar a capacidade e a quantidade de estruturas para receber e abrigar adequadamente os animais abandonados, além de diversas outras medidas no campo da prevenção”, acrescenta Almeida.
A superlotação dos centros de controle de zoonoses e canis resultaria em menor qualidade de vida e bem-estar aos animais abrigados, com risco aumentado de disseminação de doenças, justamente o contrário do espírito da nova lei.
Dimensões do problema de saúde pública
Infelizmente estima-se que em todo o mundo 18 cães são mortos por minuto como uma tentativa equivocada de eliminar a raiva, por exemplo. Um dado da Organização Mundial da Saúde Animal (OIE) apontou que somente no Brasil existem mais de 30 milhões de animais abandonados, entre cães e gatos. A título de comparação, a população de animais domésticos (cães e gatos com tutores) no país é calculada em quase 85 milhões de animais, atrás apenas dos Estados Unidos.
Como se pode notar, há uma grande proporção de animais abandonados no Brasil, vivendo em baixas condições de bem-estar, portanto bastante sujeitos a doenças, e com possibilidade de descontrole populacional. Além disso, sondagens apontaram que neste período de pandemia da Covid-19 cresceram os números de adoções de animais, mas também os de abandonos. Com a retomada do trabalho presencial, cresce o temor em relação a novos abandonos. Em tempo, o abandono de animais é crime também previsto na Lei de Crimes Ambientais.
Tal conjuntura, com a entrada em vigor da Lei nº 14.228/21, obriga uma ação mais efetiva de entes públicos, em especial dos municípios.
Soluções éticas e responsáveis
Ao longo de mais de 30 anos de atuação no Brasil, a Proteção Animal Mundial tem trabalhado para identificar, reconhecer e difundir iniciativas de manejo humanitário de cães e gatos pelo Poder Público para que cidades possam se espelhar umas nas outras. Exemplo desse incentivo é o prêmio “Cidade Amiga dos Animais – Melhores Práticas no Manejo Humanitário de Cães e Gatos”, realizado em 2019 e 2020.
As soluções para a sociedade envolvem campanhas de esclarecimento para proprietários de animais, mais leis específicas, programas maciços de vacinação e esterilização, especialmente com focos em populações carentes, além do registro e da realocação de cães, podendo preferencialmente haver uma combinação de todos estes esforços.
Em relação à castração, é fundamental desmistificar tabus. Ela traz diversos benefícios para a saúde de machos e fêmeas, tanto para cães quanto para gatos. Ela é acima der tudo uma atitude humanitária.
Nesse aspecto, em termos de políticas públicas, o maior problema é a histórica escassez de recursos públicos para promover campanhas de esterilização. Infelizmente a Lei 13.426/17, que trata de controle populacional de animais de rua com abrangência nacional é muito vaga e não definiu responsabilidades para investimentos. Por isso segue o jogo de empurra e, apesar de haver jurisprudência que defina responsabilidade para os munícipios, ainda há muita judicialização.
Por fim, é importante que haja consciência de todos quanto a um aspecto central para o bem-estar dos animais e para a saúde coletiva: animais não são presentes e nem brinquedos. Cuidar de uma outra vida envolve dedicação e responsabilidade, e por isso deve ser uma decisão muito bem pensada.
A proteção animal na legislação brasileira
Com a perspectiva de uma organização global, a Proteção Animal Mundial elaborou e disponibiliza a ferramenta Animal Protection Index. Ela usa referências técnicas e científicas de bem-estar animal em diversos contextos para fazer a comparação de legislações de diferentes países.
Nesse índice o Brasil, com sua riqueza natural, tem uma posição apenas intermediária (letra “D”, na escala que vai de “A”, a melhor, a “G”, a pior). Temos uma boa proteção à vida silvestre, ainda que precise ser mais bem aplicada na prática. Mas falhamos muito nos cuidados aos animais de companhia, em cativeiro, de serviço, usados para entretenimento (como em rodeios, por exemplo) ou em pesquisas científicas. E ainda temos muitíssimo a evoluir na atenção aos animais na indústria de produção, como aqueles criados para alimentação ou vestuário.