O encontro sobre o potencial da transição energética justa no Nordeste Brasileiro e o impacto da participação das mulheres foi promovido pelo Instituto Alziras durante a COP26 em Glasgow, Escócia, no espaço Brazil Climate Action Hub. O debate “O Nordeste Brasileiro e o potencial da Transição Energética Justa no Brasil – Mulheres na vanguarda da transição energética” contou com a participação de Fátima Bezerra, governadora do Rio Grande do Norte, Marina Dias Marinho, prefeita de Jandaíra (RN), Ricelia Maria Marinho Sales, coordenadora do Comitê de Energia Renovável do Semiárido (CERSA) e David Tsai, coordenador de projetos do Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA) integrante do time de pesquisadores do Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG), iniciativa do Observatório do Clima.
O painel está disponível em: https://www.brazilclimatehub.
Transição justa é feminina
Marina Dias Marinho, prefeita de Jandaíra (RN), levou o foco da conversa para o tipo de impacto social que a instalação de um parque eólico pode levar a uma cidade pequena como a sua. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o município tem uma população estimada de aproximadamente 7 mil habitantes. Ela refletiu sobre a importância de ponderar os benefícios que trazem consigo novos problemas e considerar esses impactos antecipadamente no planejamento da transição energética justa.
Na ponta do lápis, mostrou Marina Dias, no período de construção desses parques e instalação de aerogeradores para futuro abastecimento energético de 880 casas por aerogerador, o município de Jandaíra percebe um incremento de arrecadação de Imposto Sobre Serviços (ISS), geração de empregos temporários, valorização imobiliária, aumento na prestação de serviços autônomos e aumento das vendas no comércio. Mas, no pacote, vêm consequências tais como aumento do desmatamento em áreas preservadas, afugentamento e mortandade de animais, impacto hídrico por uso indevido do aquífero, compactação do solo, risco às abelhas nativas produtoras de mel que dão nome e identidade à cidade e até aumento nos casos de doença sexualmente transmissíveis e abandono de mulheres grávidas por “forasteiros” que vão embora da cidade ao término das obras de instalação da usina.
Para Ricélia Marinho Sales, coordenadora do Comitê de Energias Renováveis do Semiárido (Cersa), a solução está em integrar o projeto de transição para a energia renovável com o desenvolvimento local, de modo que os benefícios permaneçam na cidade, necessariamente com o envolvimento das mulheres nas decisões e nos planos de abertura de oportunidades de trabalho e empreendedorismo.
Antes de abrir a cidade para uma empresa instalar um empreendimento que vai acabar enviando energia para outros estados e limpar a imagem de outros países, argumenta Sales, é preciso considerar que a energia renovável deve trazer renda e emprego de qualidade para a localidade, evitar o êxodo rural, prever a capacitação de mulheres para atuar nos novos empreendimentos e transformar a solidariedade campo-cidade em política pública.
Emissão de gases de efeito estufa no Nordeste
Pela primeira vez convidado a participar de uma mesa de debate apenas com mulheres, Tsai anunciou que seu papel ali, como último palestrante do encontro, era de coadjuvante. Sua contribuição seria a de apresentar dados e apontamentos do SEEG referentes às emissões de gases de efeito estufa (GEE) no Nordeste que poderiam ser úteis na discussão sobre a transição energética justa.
David Tsai informou que em 2020 o Brasil emitiu 2,16 bilhões de toneladas de dióxido de carbono equivalente, sendo que, desse montante, a parte do Nordeste foi de 270 milhões de toneladas. Isso equivale a um oitavo das emissões sob a responsabilidade de um quarto da população brasileira. Os dados do SEEG mostram que a emissão per capita do Nordeste é a metade da média brasileira.
O perfil das emissões no Nordeste é parecido com o da média brasileira. A maior parte é proveniente do setor de Mudanças no Uso da Terra e Florestas (MUT), quase 40% das emissões. Em seguida, respectivamente, aparece o setor de Agropecuária (quase 30%), Energia (23%), Resíduos (8%) e Processos Industriais (2%). A soma das emissões totais tem caído desde 1990 e essa queda vem sendo puxada pela redução no setor de MUT.
Emissões no setor de Energia
No setor de Energia, os dados do SEEG permitem observar que o Brasil tem um perfil bastante típico de país em desenvolvimento, com crescimento econômico puxando o aumento das emissões. Nessa área, houve um pico de emissões em 2014, com queda significativa a partir daí em razão da redução da atividade econômica e do aumento da participação de fontes renováveis de energia.
David destacou como se deu a variação das emissões de GEE na atividade de transporte (queima de combustíveis) no setor de energia, no Nordeste. A partir de 2014 a desaceleração da economia levou a uma redução no uso de veículos. A partir de 2000, com o crescimento da demanda, o Brasil começou a acionar mais termelétricas por conta da saturação da energia hidráulica. E, por volta de 2010, houve um pico de geração termelétrica, não só no Nordeste, como no país de modo geral. Desde então, houve uma diminuição significativa nas emissões do setor de Energia, que acompanha queda na demanda e incremento da participação de energias renováveis. “Há potencial para aproveitar mais as energias renováveis, como a solar e a eólica”, afirma David Tsai.
De fato, conforme apresentado por Fátima Bezerra, governadora do Rio Grande do Norte e única mulher a governar um estado brasileiro atualmente, o Nordeste desponta como produtor de energias renováveis. Segundo dados da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) apresentados pela governadora, o Rio Grande do Norte é líder nacional em energia eólica e solar, com 5,19 gigawatts em potência instalada, 197 parques em operação e 45 novos parques em construção, com potencial de adicionar 1,6 gigawatt ao sistema. A expectativa é que nos próximos três anos o estado atinja 11 gigawatts de potência instalada em energia eólica.
Municípios mais emissores
Na apresentação de David Tsai, uma tabela de calor das emissões por estado do Nordeste e por subsetor dentro do setor de Energia mostra que as emissões em alguns municípios ainda provêm principalmente dos transportes. “É um reflexo da urbanização”, esclarece o pesquisador. “Cidades populosas tendem a ter emissão elevada em transportes.”
Em uma demonstração de como o SEEG ajuda a ajustar o foco de atenção dos gestores públicos, Tsai apresentou dados referentes aos 15 municípios mais emissores de GEE do Nordeste e aos municípios mais emissores dentro do setor de Energia. “Fica evidente a importância do setor de energia [para as emissões]”, ressalta. Em São Francisco do Conde, na Bahia, a presença de refinarias de produção de combustíveis acaba impulsionando as emissões de GEE. Em municípios pequenos como São Gonçalo do Amarante, no Ceará, e Santo Antônio dos Lopes, no Maranhão, que mesmo não tendo carvão possuem usina de energia a carvão, observa-se que as termelétricas ainda são muito importantes para a economia local. “Esses são os focos de atenção que o SEEG permite iluminar no objetivo de planejar uma transição energética justa”, conclui.