O centenário Terreiro Ile Aşé Kalè Bokùn, que fica na Rua Antônio Balbino, no bairro de Plataforma, subúrbio ferroviário de Salvador, será reconhecido nesta terça-feira (12/03) pela Prefeitura, através da Fundação Gregório de Mattos, como Patrimônio Cultural da cidade. A Casa religiosa é a primeira de Nação Ijexá tombado no Brasil.
Em fevereiro de 2016, Leonel Monteiro, presidente da Associação Brasileira de Preservação da Cultura Afro Ameríndia – AFA, oficializou o pedido de tombamento. A abertura do processo pela FGM foi assinada em junho do mesmo ano pela Yalorixá Estelita Lima Calmon, que faleceu no dia seguinte.
Em novembro de 2016, a AFA, a Egbomi Vânia Amaral, na época representante do terreiro e hoje a Yalorixá dirigente, e o professor e antropólogo Vilson Caetano, entregaram o laudo etno histórico do Templo. O estudo de Vilson traz elementos importantes sobre a presença dos africanos ijexá em Salvador, da continuidade história do templo e da sua herança ancestral, além de aspectos das edificações e das espécies etno-botânicas que são encontradas na área. Foi ainda entregue plantas baixas dos imóveis, que compõem o terreiro, e registros acerca do seu estado de conservação.
Nas redes sociais, o antropólogo relata que em 1896, Severiano de Logun Ede (fundador do Terreiro), sua mãe e outros africanos ijexás “transitavam nas regiões do centro antigo de Salvador como bem guardou a tradição oral em locais como: Ladeira do Carmo, São Miguel, Queimadinho (Soledade), Cidade de Palha e Dique do Tororó”. O imóvel onde fica o Templo foi adquirido em 1920 por Maria Joaquina Conceição e Rosa Lima de Souza, provavelmente tia de Severiano.
“A contramão dos primeiros estudos afro-brasileiros, o subúrbio de Salvador sempre foi também solo fértil para as religiões de matriz africana. O jornal A Noticia de 1915 já trazia como matéria: “ candomblés e seus feitiços. Plataforma também tem os seus.” Quarenta anos antes, O Monitor já atestava a presença destes candomblés naquela localidade. Alfaiate de profissão, Severiano já chegou aos anos de 1900 iniciado, e resolveu abrir casa de candomblé num período de maior perseguição policial. É, pois este centenário legado africano que o Ilê Axé Kale bokum preserva e guarda. Foi isso que demonstramos em nossos estudos e é isso que está sendo tombado pelo município de Salvador através da Lei 8550/2014”, disse Vilson.
Segundo Leonel, “a comunidade do terreiro preserva raro legado ancestral em vias de extinção, se constituindo no mais importante (talvez o único) Terreiro de Candomblé de Nação Ijexá no País”. O presidente da AFA ressaltou ainda que a Casa “preserva ainda rituais específicos, que exaltam o poder ancestral feminino, por meio do culto Geledé, além de importante patrimônio ambiental envolvendo fonte, centenárias árvores e plantas sagradas”.
Para Milena Tavares, Diretora de Patrimônio e Humanidades da FGM, “o tombamento do terreiro Ile Aşé Kalè Bokùn preserva elementos de referência da tradição Ijexa, presentes na cidade”.
“A Casa é referência da memória do Babalorixá Severiano Santana Porto, que implantou o templo no subúrbio ferroviário, nos primeiros anos do século passado, assim como daqueles que deram continuidade ao seu trabalho: Claudionor dos Santos Pereira, Estelita Lima Calmon e a atual Yalorixá Vânia Amaral, vinculando-se à história do bairro de Plataforma, um dos mais antigos de Salvador, local de grande expressão da população afro-descendente e de concentração de casas de Candomblé.”
“Podem se considerar como um espaço de terreiro que foi reconhecido pelo município como patrimônio da cidade e isso quer dizer que meu povo foi reconhecido! Reconhecidos pelas lutas que todos aqui passaram e os que aqui estão, preservando esse lugar de prática e crença religiosa. Fico feliz e renovada de fé e esperança, por mais este acontecimento, pois os meus antepassados lutaram! Lutaram! Em destaque, a minha Yalorixá, Estelita Calmon, que muito se dedicou a esse terreiro. Adupé! Adupé iyas por terem sido incansáveis para perpetuar esse Ilê Asé! Adupé, iyas, vocês foram valentes e dedicadas! Adupé, Orisás! Mojubá! Mojubá!”, finalizou a Yalorixá, Vânia Santos Amaral.