A Venezuela vive um período turbulento em sua história política, econômica e social, que já levou 2,3 milhões de pessoas a fugirem do país desde 2015, segundo dados da ONU. De acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI), a inflação em 2019 deverá atingir 10.000.000% e o país enfrenta uma grave escassez de alimentos e medicamentos, que aumentaram exponencialmente os níveis de fome e desnutrição.
Nesta quarta-feira (23), manifestações em diversas partes do país contra o atual presidente, Nicolás Maduro, foram duramente repreendidas. O opositor e líder da Assembleia Legislativa da Venezuela, Juan Guaidó, se autoproclamou, nesta quarta, presidente interino e assumiu o governo no lugar de Nicolás Maduro, com apoio da oposição, do presidente americano, Donald Trump, do presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, e de grande parte dos países da América Latina, à exceção de Cuba, Bolívia e México.
O juramento de Guaidó ocorreu durante uma série de manifestações pelo país, iniciadas na noite de terça-feira (22), que pedem o fim do governo Maduro. O parlamento venezuelano nomeou William Daniel Dávila Barrios como vice-presidente do autoproclamado presidente interino, Francisco Sucre Giffuni como ministro dos Negócios Estrangeiros, o general Raúl Isaías Baduel como ministro da Defesa e José Angel Guerra como ministro da Economia e Finanças do governo. A expectativa é de que eles estejam à frente do país até a realização de “eleições livres”.
“Hoje, 23 de janeiro de 2019, em minha condição de presidente da Assembleia Nacional, ante Deus todo-poderoso e a Venezuela, juro assumir formalmente as competências do Executivo nacional como presidente em exercício da Venezuela”, declarou Guaidó.
Nicolás Maduro se pronunciou sobre a autoproclamação de Juan Guaidó como presidente interino da Venezuela a partir da sacada do Palácio Miraflores, e anunciou o rompimento de relações diplomáticas e políticas com os Estados Unidos, dando um prazo de 72 horas para que os diplomatas americanos saiam do país.
“Temos denunciado o governo imperialista dos EUA, que dirige uma operação para impor um golpe de estado na Venezuela. Pretende eleger e designar o presidente da Venezuela por vias não constitucionais. Estamos aqui pelo voto do povo. Só as pessoas colocam e só as pessoas removem”, disse Maduro. “Aqui não se rende ninguém, aqui não foge ninguém. Aqui vamos à carga. Aqui vamos ao combate. E aqui vamos à vitória da paz, da vida, da democracia”, completou.
O ministro da Defesa do país, general Vladimir Padrinho Lopez, também declarou, em um tuíte, o apoio do Exército a Nicolás Maduro. “Os soldados da pátria não aceitam um presidente imposto à sombra de obscuros interesses nem autoproclamado à margem da lei. As Forças Armadas defendem nossa Constituição da soberania nacional”, escreveu.
De acordo com a ONG Provea por volta da 1h (3h no horário de Brasília), foram registrados em Caracas ao menos 15 manifestações diferentes, as quais as forças de segurança do governo tentavam dispersar com o uso de gás lacrimogêneo e balas de borracha. Segundo a ONG Observatório Venezuelano de Conflito Social (OVCS), pelo menos 13 pessoas morreram em meio aos protestos, todas por “impacto de bala” e enquanto “participavam de manifestações pacíficas e foram atacadas por agentes da polícia ou grupos paramilitares”. Por sua vez, a ONG local Foro Penal Venezolano (FPV) informou que 43 pessoas foram presas nos protestos e que há relatos de “vários feridos” nas últimas 48 horas.
As manifestações foram convocadas pela oposição e pedem a derrubada do governo de Nicolás Maduro, que tomou posse em 10 de janeiro para o seu segundo mandato de seis anos como presidente da Venezuela, após uma vitória eleitoral cuja legitimidade não foi reconhecida nem pela oposição, nem pela maior parte da comunidade internacional.
Cronologia
5 de março de 2013: o socialista Hugo Chávez, Presidente da Venezuela desde 1999, morre de câncer. O seu vice-Presidente, Nicolás Maduro, vence as eleições presidenciais de abril, com 50,62% dos votos, após um escrutínio contestado.
Em 2014: manifestações são reprimidas e 43 pessoas são mortas. O líder da oposição, Leopoldo López, é condenado a 14 anos de prisão. Libertado em 2017, López foi colocado em prisão domiciliar. Três generais acusados de “tentativa de golpe de Estado” também são detidos.
Fevereiro de 2015: o presidente da câmara de Caracas, Antonio Ledezma, acusado de ter impulsionado um golpe de Estado, é encarcerado. Em prisão domiciliar desde 2017, ele est+a foragido na Espanha.
Março de 2015: Washington impõe sanções a responsáveis venezuelanos acusados de violações dos direitos humanos. Maduro, por decreto, novos poderes para governar.
Dezembro de 2015: o preço do petróleo, que gera 96% das receitas do país, cai para o nível mais baixo em sete anos, gerando grave escassez de alimentos e medicamentos. Chavistas perdem o controle da Assembleia Nacional, o parlamento do país.
1º de abril de 2017: novas manifestações ocorrem em várias partes do país e duram quatro meses, fazendo mais de 125 mortos.
1º de maio de 2017: Maduro anuncia uma Assembleia Constituinte, eleita a 30 de julho num escrutínio boicotado pela oposição. A Constituinte demite a procuradora-geral da República, Luisa Ortega, chavista que se tornou opositora do regime de Maduro.
5 de agosto: a Venezuela é suspensa do Mercosul (mercado comum sul-americano) “por rutura da ordem democrática”.
18 de agosto: a Constituinte toma para si a maioria dos poderes do parlamento. Washington impõe novas sanções. Os chavistas vencem as regionais em outubro e as autárquicas em dezembro.
Em 2017: a inflação sobe para 2.616% e o PIB cai 15%, segundo o parlamento.
20 de maio de 2018: Maduro é reeleito para um mandato de seis anos (2019 – 2025) em uma eleição boicotada pela coligação da oposição e o resultado não é reconhecido por grande parte da comunidade internacional. Seguem-se novas sanções dos Estados Unidos e da União Europeia.
8 de agosto: o Supremo Tribunal ordena a detenção do ex-presidente da Assembleia Nacional, Julio Borges, no exílio, e de um deputado.
20 de agosto: notas com menos cinco zeros entram em circulação no país, numa tentativa de recuperar a economia de Maduro. O “bolívar soberano” é indexado ao “petro”, uma criptomoeda.
4 de janeiro de 2019, os países do Grupo de Lima (12 países latino-americanos e Canadá), exceto o México, assinam uma declaração não reconhecendo o segundo mandato presidencial de Nicolás Maduro.
5 de janeiro: o parlamento declara o mandato ilegítimo e anuncia um “governo de transição” antes de novas eleições.
10 de janeiro: Nicolás Maduro toma posse, em um mandato considerado ilegítimo pelos Estados Unidos e grande parte da comunidade internacional.
22 de janeiro: Maduro acusa os EUA de ordenar “um golpe de Estado fascista” na Venezuela.
23 de janeiro: data que completa 61 anos da queda de Marcos Pérez Jiménez, em 1958, último ditador venezuelano. Milhares de opositores e apoiantes de Maduro saem às ruas em manifestações. O opositor Juan Guaidó, líder da Assembleia Nacional, autoproclama-se “Presidente interino” da Venezuela.