O Brasil pode se orgulhar de ser um novo polo atrativo para os migrantes do mundo inteiro. Com efeito, por se tornar, em tempo recorde – de 1988, data de adoção da Constituição Federal cidadã, até 2015, fim dos governos liderados pelo Partido dos Trabalhadores que metamorfosearam o país -, uma jovem democracia admirada no mundo inteiro, que conheceu uma estabilidade política excepcional, e por ter sido hasteada como uma das maiores economias do mundo neste mesmo período (passou da 13° posição em 2002 à 7° em 2013 no PIB Ranking Global segundo o Banco Mundial e a UN Global Data Bank), o país conheceu esse fenômeno novo na sua história contemporânea. Atraiu ondas de migrantes europeus fugindo a Espanha ou o Portugal enfrentando as dificuldades econômicas provocadas pela crise norte-americana do sub-prime de 2008, de deslocados forçados em razão de catástrofes naturais como o terremoto de 2010 que afligiu duramente o Haiti, ou da guerra que assola a Síria desde 2011 e, finalmente, de refugiados oriundos da Venezuela, país vizinho que sofre atualmente de uma hiperinflação e do crescimento da violência. A entrada inesperada dessas pessoas no território, leva legitimamente à tona a questão dos impactos da migração na economia do país.
Segundo a ONU, 2,3 milhões de Venezuelanos – sobre um total de 32 milhões – já deixaram seu país desde 2015; uns 50/60.000 se encontrariam no Brasil. Os dados estatísticos do Comitê Nacional para os Refugiados-CONARE apontam que o número de solicitações de reconhecimento da condição de refugiados venezuelanos disparou, passando de quatro, em 2010, a 17.865 sete anos depois. Todavia, se na mídia e nas redes sociais podemos perceber inquietações de alguns Brasileiros sobre o “êxodo” de estrangeiros no solo nacional, é necessário relativizar, preliminarmente, o risco de invasão. O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), em fevereiro de 2018, quando os Venezuelanos começaram a entrar em proporções maiores no estado de Roraima, tomou a precaução de denunciar a percepção distorcida entre os dados e a pretendida explosão de entrada dos migrantes. Com efeito, o número de migrantes pode ser considerado inexpressivo em termos absolutos quando comparado com o tamanho da população brasileira, a extensão territorial do país ou quando equiparado às mais de 65 milhões de pessoas forçadas a abandonar suas casas devido a guerras, violência ou perseguição total no mundo. O total de imigrantes, em situação regular e irregular, corresponde hoje a 1% da população total do Brasil, o que é pouco, segundo Camila Asano, Coordenadora dos Programas da ONG Conectas, Direitos Humanos, em comparação com a média mundial (3,7%) ou a situação dos Estados Unidos (14%).
Mas não podemos negar que em 2017, duas Unidades Federativas brasileiras, Roraima e São Paulo, concentraram a grande maioria das solicitações – e por consequência dos eventuais problemas vinculados à imigração -, e que vários são os fatos que deixam pressagiar a continuação da onda de deslocamentos rumo ao Brasil: i) os Estados vizinhos da Venezuela criaram entraves (como a exigência de passaporte, quase impossível de adquirir, por Bogotá, Quito e Lima) para frear a entrada de venezuelanos nos seus territórios; ii) muitos economistas julgam insuficientes as medidas econômicas anunciadas em agosto por Nicolás Maduro, presidente da Venezuela, para lutar contra a hiperinflação; iii) a intensificação do braço de ferro entre Caracas e Washington, impossibilita, pelo menos a curto prazo, a busca de uma solução à saída da crise; iv) a pressão norte-americana sobre a OPEP para manter o preço do barril do petróleo baixo, principal fonte de recursos do país sul-americano, não torna tampouco otimista quanto à evolução da situação econômica do país; vi) as ameaças belicosas dos Estados Unidos e do novo governo brasileiro.
Esse novo desafio do Brasil de acolher seus irmãos venezuelanos em situação de grande aflição pode ensejar inquietações para os cidadãos de um país que enfrenta também uma grave crise econômica e social, desde 2014, acentuada com a fomentação do impeachment contra a Presidenta Dilma Roussef em 2016. Para que o “eterno país do futuro”, segundo a expressão do grande estadista francês George Clémenceau do século XIX, adote medidas apropriadas e inovadoras à essa nova questão complexa do acolhimento dos estrangeiros no seu solo, as autoridades precisam tomar em consideração elementos, em particular informações sérias sobre o custo real do migrante.
Nos países que lidam com a questão da imigração há décadas, não é raro assistir políticos inescrupulosos e cínicos cair na fácil tentação de instrumentalizar, no intuito de se manter ou acessar ao poder, a tragédia de homens e mulheres forçados a deixar seu lar, abandonar sua família, sua cultura e sua história para simplesmente sobreviver (tenho na mente os olhares vazios e desesperados de pessoas fugindo as violências e perseguições na África que o brasileiro Sebastião Salgado fotografou magistralmente na sua obra “Êxodos”, publicada em 2000). Partidos populistas, xenófobos, que eclodiram particularmente na Europa depois da crise migratória do Sírios e Iraquianos, como na Alemanha, Áustria, França, Hungria, Itália, Polônia, Reino Unido ou na Suécia, amedrontam as populações locais com slogans apocalípticos sobre os riscos de aumentar a taxa de desemprego, de sofrer a concorrência desleal com novos trabalhadores estrangeiros, de perder privilégios sociais, em resumo com o custo alto para a sociedade que abriga esses migrantes. São esses mitos que gostaria agora de abordar para evitar crispações e amálgamas nocivos para a elaboração de uma política nacional de integração.
Hoje, existe pesquisas científicas feitas por economistas sobre o impacto econômico da integração dos estrangeiros no país acolhedor. Todas demonstram que a contribuição dos migrantes ao emprego, à finanças públicas e ao crescimento é positiva.
Um dos pioneiros foi o economista canadense que trabalhou na universidade Berkeley, David Card[1], que analisou, a partir de dois indicadores, as consequências econômicas da chegada em 1980 de 125.000 Cubanos em uma cidade da Califórnia: o desemprego local e os salários evoluíram da mesma forma nesta cidade que nas quatro outras cidades de referência que não acolheram refugiados.
O relatório da Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Econômicos (OCDE)[2], publicado em março de 2018, revelou que o afluxo de refugiados na União Europeia desde 2015 deveria se traduzir por um aumento de 0,4% em média do tamanho da população em idade de trabalhar daqui ao fim de 2020, o que é insuficiente para comprometer seriamente o mercado do trabalho e os salários. Ora, vimos que por enquanto no Brasil, a porcentagem de estrangeiros em situação regular e irregular não é tampouco significativa para surtir efeitos na sua economia. Segundo Jean-Christophe Dumont, chefe da divisão das Migrações Internacionais da OCDE, “passado o efeito transitório, o impacto a longo prazo das migrações sobre a riqueza por habitante, e sua evolução, é neutra”[3].
Diante da dificuldade da avaliação deste impacto econômico, vários fatores foram analisados. Tomando somente em consideração o Produto Interior Bruto (PIB), há um consenso para afirmar que o efeito é positivo: os migrantes consumem, se alojam, o que contribui mecanicamente à atividade econômica da região. Quando o dinheiro público é gastado para acolher os refugiados, ele é imediatamente re-injetado na economia. Essa política keynesiana é a que foi aplicada com a Bolsa-família que revitalizou muitas economias locais nos interiores mais pobres do Brasil. Um estudo publicado em junho de 2018, por três pesquisadores do Centre national de la recherche scientifique (o renomado CNRS francês), Hippolyte d’Albis, Ekrame Boubtane e Dramane Coulibaly[4], comprovou que os fluxos migratórios na Europa Ocidental entre 1985 e 2015 (consequências das guerras balcânicas dos anos 1990, das “primaveras árabes” de 2011, como das ondas de trabalhadores oriundos da Europa do Leste) provocaram um aumento significativo do PIB durante quatro anos.
A curto prazo, os efeitos sobre o mercado do trabalho podem diferir. Os requerentes de asilo não têm geralmente acesso ao emprego durante o processo e beneficiam de uma ajuda pública. Não há dúvidas que os trabalhadores locais, pouco qualificados, serão os primeiros a sentir a concorrência dos refugiados. Do outro lado, os imigrantes pouco titulados ocupam normalmente os empregos negligenciados pelos locais, o que podem explicar a pressão das empresas locais que empregam em massa mão-de-obra como as indústrias, a agricultura ou na construção civil. A imigração qualificada beneficia também o país ao incentivar a pesquisa, a inovação e o progresso técnico, sublinha a OCDE. Basta citar a reação unânime dos patrões dos gigantes da internet da Silicon Valley, contra os decretos do Presidente Donald Trump firmados em janeiro de 2017 limitando a entrada dos migrantes no solo norte-americano oriundos, ironia da história, de Estados, como o Iraque, a Líbia, a Somália ou a Venezuela…, desestabilizados pela própria política norte-americana. Assim, Airbnb ofereceu o alojamento ao refugiados e aos clandestinos nos EUA; Google criou um fundo de crise de 4 milhões de dólares para apoiar organismos de defesa aos direitos humanos; Uber arrecadou 3 milhões de dólares para defender seus motoristas estrangeiros; Steve Jobs , fundador da marca Apple, lembrou que ele era filho de imigrante sírio; Mark Zuckerberg, pai do Facebook, criticando a estratégia do Presidente norte-americano, ressaltou sua origem estrangeira, etc. O relatório da OCDE destaca também que numerosos imigrantes ocupam empregos domésticos – faxina, babá, jardinagem… – , contribuindo a aumentar a participação ao mercado do trabalho das mulheres do país de acolhimento, livradas de uma parte das tarefas do lar. Porém, essa observação não procede no Brasil, onde uma grande parte da mão de obra local, desqualificada, abraça essas atividades.
No tocante às finanças públicas, é óbvio que os refugiados dependem para sobreviver, quando chegar, das prestações sociais. Porém, logo quando trabalham, contribuem como qualquer outro trabalhador que beneficia dos direitos sociais. Segundo Xavier Chojnicki[5], professor na Universidade de Lille-III (França), que estudou o impacto orçamentário da imigração na França entre 1979 e 2011, os migrantes não representam um custo para as finanças públicas. Apesar da particular generosidade das prestações sociais no hexágono, em comparação com o sistema brasileiro, eles são sobre-representados nas categorias em idade de trabalhar, contribuindo então ao financiamento das infraestruturas e das aposentadorias. Enfim, a contribuição migratória pode ser positiva na taxa de natalidade, pois o problema que muitos países ocidentais enfrentam (Eurostat), inclusive o Brasil (IBGE), é o envelhecimento da sua população.
As pesquisas citadas acima são investigações cujo objeto foi os Estados Unidos e a Europa. A avaliação do impacto da migração na economia do país é delicada, pois depende do contexto, do país, do tipo de migração. Porém, elas podem servir de base para as autoridades e os pesquisadores brasileiras no intuito de implantar uma verdadeira política migratória capaz de conseguir de maneira concomitante proteger seus interesses econômicos e de segurança e respeitar suas obrigações morais e jurídicas oriundas dos diplomas nacionais (a Constituição Federal e a Lei da Migração de 2017, em particular) e internacionais firmados pela Nação.
* Juliette Robichez, francesa e residente permanente no Brasil, fez toda sua formação acadêmica em direito na Universidade Paris 1 – Panthéon-Sorbonne: graduação (1990), Mestrado em Direito International Privado e Direito do Comércio Internacional (1991), Mestrado em Direito Privado (1992) e Doutorado em Direito (1999). É docente do Centro Universitário Jorge Amado e leciona nos cursos de Relações Internacionais e Direito.