Duas pesquisas, envolvendo pesquisadores da Erasmus University Rotterdam, da University of Amsterdam e da Oxford University, publicadas, em dezembro, na revista Nature Communications, do prestigiado grupo Nature, avançaram no estudo da relação da composição de nossa microbiota intestinal – conhecida popularmente por flora intestinal, embora o termo não seja cientificamente correto -, e a depressão. As análises envolveram uma grande amostra de indivíduos (uma delas conta com 2.593 pacientes e a outra, 3.021), provenientes de estudos prospectivos em andamento.
“O trato gastro intestinal é permeado por milhões e milhões de bactérias. Tem mais bactérias dentro de nós do que a contagem total de células do nosso próprio corpo”, diz o médico psiquiatra Arthur Danila, coordenador do Programa de Mudança de Hábito e Estilo de Vida do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, sem envolvimento com as pesquisas. Ao conjunto de bactérias que está no intestino se dá o nome de microbiota ou microbioma intestinal.
A depressão ainda é uma doença bastante incompreendida. A introdução dos antidepressivos foi um divisor de águas na saúde mental da população, mas a administração desses medicamentos não é certeza de melhora de todos os quadros depressivos. Nesse sentido, nos últimos anos – principalmente nas últimas duas décadas -, o eixo intestino-cérebro ganhou destaque.
Quando estamos em um estado saudável (eubiótico), elas convivem harmonicamente em/com nosso intestino. Elas ajudam em nossa digestão, na proteção contra bactérias nocivas e no combate de inflamações, além de auxiliarem na modulação das emoções, como alguns estudos têm demonstrado.
“Acontece que em alguns estados de humor e alguns estados psiquiátricos, essa composição está alterada. A disbiose é igual à distonia, quando alguma coisa está em dis, é porque está errada, está incômoda, está atrapalhando”, explica Arthur Danila. “O estado de disbiose prejudica tanto a digestão dos alimentos que a gente ingere quanto tem uma repercussão em níveis de inflamação, não só do cérebro, mas de todo o corpo.”
Ao analisarem amostras fecais e formulários autorrelato de sintomas depressivos, os pesquisadores europeus encontraram associação de 12 gêneros e uma família de bactérias que vivem ali com a depressão. Algumas delas foram encontradas em maior abundância (especificamente, os gêneros Sellimonas, Eggerthella, Lachnoclostridium e Hungataella) nos indivíduos com sintomas de depressão de alto nível, outras, reduzidas (como Coprococcus e Ruminococcaceae (UCG002, UCG003, UCG005), por exemplo).
Essas bactérias são conhecidas por fazerem parte da síntese de glutamato, butirato, serotonina e ácido gama-aminobutírico (GABA), que são “os principais neurotransmissores relevantes para a depressão”, de acordo com os cientistas.
Segundo os pesquisadores, a associação com as bactérias foi tão forte quanto outros fatores de risco previamente mapeados para a depressão, como tabagismo e consumo de álcool, por exemplo. “Os resultados do estudo identificaram alvos potenciais para intervenções psicobióticas que justificam uma investigação mais aprofundada e podem impactar positivamente a depressão e o bem-estar em nível individual ou populacional”, escreveram, em um dos estudos.
Robustez
Arthur Danila avalia que os estudos não trazem uma grande novidade, mas são muito importantes, ao passo que dão robustez, visto o tamanho amostral das análises, às “hipóteses que já vinham sendo feitas de que a modulação da microbiota intestinal é importante não só por uma questão gastrointestinal, mas também influencia questões emocionais”.
Nos próprios artigos, os pesquisadores destacam que as associações com o eixo intestino-cérebro já eram exploradas anteriormente, mas com estudos em animais e, quando em humanos, com amostras pequenas.
Com os dois estudos, no entanto, não é possível cravar que só tratar a microbiota, com o uso de probióticos (“microorganismos vivos que, quando administrados em quantidades adequadas, conferem benefícios à saúde do hospedeiro”, na definição da OMS) ou psicobióticos (probióticos comprovadamente benéficos para a mente humana), resolverá sozinho um caso de depressão. Isso porque o que os pesquisadores encontraram foi uma associação e não uma causalidade, além disso, a depressão é provavelmente multifatorial.
“Probiótico ou psicobiótico não substitui qualquer tratamento em monoterapia. Não dá pra gente dizer hoje que para tratar depressão, toma só o probiótico ou psicobiótico e está tudo bem. A gente não tem o poder de eficácia tamanho pra poder justificar exclusivamente essa conduta. Mas a prescrição de probióticos e psicobióticos pode auxiliar de maneira adjuvante no tratamento da depressão ou da ansiedade, em casos selecionados desde que passando em avaliação médica especializada”, explica Danila.
A associação encontrada pelos estudos acende um alerta para importância de manter o corpo em eubiose, e, para isso, a chave está no que comemos. “A dieta mais saudável possível é aquela que oferece as melhores condições para as bactérias boas sobreviverem dentro do intestino e as bactérias ruins caírem fora”, resume o psiquiatra Arthur Danila.
“Como garantimos isso? Com uma alimentação saudável baseada predominantemente em vegetais e alimentos integrais, porque eles têm altas taxas de fibras e alimentos, e minimamente ou não processados”, completa.