Em 2003, quando tinha 19 anos, Rosilene de Santana Souza, filha de trabalhadores rurais, deixou a casa em que morava no sertão da Bahia, um lugar sem muitas oportunidades de estudo e trabalho, e seguiu para Colatina, no Noroeste do Espírito Santo, em busca do sonho de estudar Direito.
O primeiro emprego dela foi como empregada doméstica até conseguir iniciar os estudos. Foi uma longa jornada até o sonho de infância se tornar realidade. Rosilene foi aprovada em 1º lugar em um concurso público de magistratura e agora vai atuar como juíza em Rio Branco, capital do Acre.
A família dela morava em uma comunidade no município de Oliveira dos Brejinhos. Rosilene chegou a ficar sem estudar quando tinha 10 anos porque não havia professor na escola da localidade. Mas isso não a levou a desistir de alcançar seus objetivos. Ela explica que o sonho de ser juíza nasceu dentro de casa, ainda na infância, durante as brincadeiras com seus seis irmãos.
Casa em que Rosilene morava com a família em uma comunidade no município de Oliveira dos Brejinhos, na Bahia. (Acervo pessoal)
“Meu sonho sempre foi ser juíza. Lembro que eu tinha o hábito de reunir com meus irmãos, quando eles brigavam, para saber quem tinha razão na confusão. Então meus pais começaram a me apelidar de ‘juíza da casa’. Nós levamos na brincadeira, mas foi uma coisa que foi crescendo em mim. Desde o primeiro dia da faculdade meu objetivo era ser juíza”.
Rosilene de Santana Souza
•Advogada
Com 12 anos, Rosilene e a irmã, de 13 anos, dividiam um colchão de solteiro na casa onde moravam para estudar em outra cidade. (Acervo pessoal)
“Minha intenção era ir para um lugar em que eu pudesse trabalhar e estudar. Trabalhar pela minha sobrevivência, mas estudar sempre foi meu objetivo. Foi muito difícil desde o início. Quando cheguei em Colatina, fui trabalhar em casa de família e não consegui fazer faculdade na época porque o valor que eu ganhava não era o suficiente para pagar”, contou Rosilene em entrevista ao repórter Alessandro Bacheti, da TV Gazeta Noroeste.
Como o salário de doméstica não era o suficiente para se sustentar e pagar a faculdade, Rosilene aproveitou a oportunidade de um curso técnico gratuito de edificações que era oferecido pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Espírito Santo (Ifes) de Colatina. Com o curso, ela conseguiu uma oportunidade melhor de emprego, com remuneração maior.
Trabalhando, ela conseguiu entrar na faculdade de Direito, com uma bolsa de estudo com desconto na mensalidade, o que ajudou a dar o primeiro passo de uma jornada que não seria nada fácil. “Eu trabalhava das 8h às 18h, e estudava das 19h às 22h, então eu só tinha o período até 1 hora da manhã para poder estudar mais e complementar. Foi um período muito difícil”, relata.
Rosilene com o pai e a mãe, trabalhadores ruais aposentados. A conquista do diploma de graduação em Direito está eternizada no álbum de formatura que Rosilene guarda desde 2012. (Hériklis Douglas)
A conquista do diploma de graduação em Direito está eternizada no álbum de formatura que Rosilene guarda desde 2012. Desde então, já como advogada, ela conseguiu abrir um escritório na “Princesinha do Norte” e começou a trabalhar na área. O sonho de infância, entretanto, não foi esquecido e ela ainda queria ir além.
Nos últimos cinco anos, Rosilene parou de trabalhar no escritório e se dedicou aos estudos. Os livros e as apostilas impressas ainda estão todos guardados. Ela tentou mais de 10 concursos públicos e o esforço de anos deu resultado: foi aprovada para uma vaga de juiz de Direito substituto (juiz estadual) do Acre. Como passou em 1º lugar, a advogada — futura juíza — pode escolher a cidade onde vai trabalhar.
“Ainda não acredito. Acho que a ficha ainda não caiu. Eu ainda não desabei, não chorei. Mas é gratificante olhar para trás e ver que todo o esforço valeu a pena, não foi tudo em vão”, afirma.
Rosilene parou de trabalhar no escritório e se dedicou aos estudos. (Hériklis Douglas)
Em janeiro do ano que vem, ela e a família vão se mudar para a capital Rio Branco (AC). Na bagagem, Rosilene vai levar toda a história de luta e também o exemplo para muitas pessoas, que ainda sonham em ter oportunidade para estudar e melhorar de vida.
“Vemos crianças buscando alimento para tentar sobreviver. Então falar em educação parece tão distante. Eu já passei por isso quando criança. Mas o que eu posso dizer para quem tem a mesma origem que a minha é que acredite. A educação é a única saída para nós, da nossa origem social, que não temos herança e nem com quem contar. A educação é o caminho que pode salvar vidas, assim como salvou a minha”
Rosilene de Santana Souza
•Advogada
Por: Redação Bahia Municípios /Repórter Alessandro Bacheti, da TV Gazeta Noroeste / Fotos: Hériklis Douglas