Todos sabemos da importância do sono, especialmente depois de uma noite maldormida. Afinal, passamos um terço de nossas vidas dormindo.
Segundo Kandel, ganhador do Prêmio Nobel com estudos sobre a memória, o sono é um “estado altamente organizado, gerado pela ação cooperativa de muitos componentes comportamentais e neurais”. E, conforme a neurociência vem descobrindo, sono e aprendizagem estão fortemente relacionados.
A educadora, psicopedagoga e especialista em neurociência Kátia Chedid, destaca que durante o sono, acontece a perda reversível do estado de consciência, adotamos uma postura estereotipada (deitados e de olhos fechados) e apresentamos um período de reduzida atividade motora. Não sabemos exatamente porque dormimos, mas sabemos que a privação de sono causa muitos transtornos, inclusive a morte.
De acordo com pesquisas da neurociência, dormir pouco reduz a capacidade de manter a atenção em uma tarefa, afetando o desempenho escolar; dificulta a realização de atividades cognitivas; aumenta a sonolência diurna e altera o humor. Esses estudos indicam, também, a defesa de uma maior flexibilidade de início das aulas para que o sono dos alunos seja preservado.
O sono noturno ajuda na consolidação das memórias declarativas ou não-declarativas. A Academia Americana de Pediatria (AAP) divulgou recentemente um documento de políticas públicas no qual orienta as escolas a iniciarem as aulas dos adolescentes por volta das 8h30. Nesse documento, pesquisadores afirmam que a falta de sono torna os adolescentes mais propensos a desenvolver obesidade, diabetes e depressão, além de buscar estímulo em bebidas com cafeína.
Conforme a declaração da AAP, atrasar o início das aulas aumentaria a frequência dos estudantes, reduziria atrasos e ajudaria a melhorar o desempenho escolar. Essa discussão está apenas começando, pois pais e escolas continuam defendendo o início das aulas mais cedo e parecem longe de um consenso.
Existem fatores biológicos e ambientais relacionadas ao amadurecimento, a puberdade e as mudanças hormonais que facilitam muito a necessidade do adolescente estender os horários de sono. Diversos especialistas comentam que começar a escola uma hora mais tarde pela manhã, por exemplo, pode melhorar o humor dos adolescentes e reduzir a depressão, o que consequentemente aumentaria o desempenho da aprendizagem.
Prova desses estudos, uma reportagem sobre uma pesquisa dos acadêmicos brasileiros publicada no Journal of the National Sleep Foundation (Fundação Nacional do Sono), mostrou pesquisadores que atrasaram o horário de início das aulas em uma escola no Brasil em uma hora e monitoraram o sono, a sonolência e a saúde emocional dos alunos. Para se obter esses resultados, é necessário também o monitoramento do horário de ir dormir e da qualidade de sono.
Como resultado, os adolescentes relataram sentir-se menos deprimidos, irritados, tensos e cansados na escola. (Pesquisa realizada pela Multiple Positive Outcomes of a Later School Starting Time for Adolescents).
Memória, sono e aprendizagem dos adolescentes
“Na adolescência, passamos por um atraso no relógio biológico de sono e vigília – nosso corpo quer ficar acordado até mais tarde e acordar mais tarde. A liberação de melatonina, o hormônio que induz o sono (cuja liberação é sincronizada com a diminuição da luz solar) é atrasada. O que é um problema para os adolescentes e a escola.” comenta Kátia Chedid.
A National Sleep Foundation recomenda que os adolescentes durmam, no mínimo, 8 horas por noite. Segundo a mesma Fundação, adolescentes que dormem menos que isso apresentam uma ou mais dessas características associadas à alteração do sono e vigília:
– Sedentarismo;
– Uso excessivo de computadores, videogames e mídias digitais por mais de 3 horas por dia;
– Fumam maconha ou cigarros, ou consomem álcool;
– Depressão por pressões acadêmicas.
A National Sleep Foundation dá algumas dicas para os adolescentes, que as escolas podem difundir entre seus estudantes ao discutir sono e aprendizagem:
– Vá para a cama na mesma hora todas as noites e levante na mesma hora todas as manhãs;
– Certifique-se de que o seu quarto é silencioso, escuro e possui um ambiente relaxante, que não é muito quente nem muito frio;
– Certifique-se de que sua cama esteja confortável e use-a apenas para dormir e não para outras atividades, como ler, assistir TV ou ouvir música;
– Remova ou desligue todos os televisores, computadores e outros dispositivos do seu quarto;
– Evite grandes refeições algumas horas antes de deitar.
“Portanto, as escolas precisam criar espaços que respeitem o relógio biológico dos estudantes durante todo o seu crescimento: onde os alunos da Educação Infantil possam tirar um soninho e adolescentes sejam acolhidos em suas peculiaridades. Sono e aprendizagem andam lado a lado e, quanto antes a escola compreender isso, antes poderá se adequar para potencializar o desempenho dos estudantes. As contribuições da neurociência podem ajudar com argumentos, mas a discussão está apenas no início!” finaliza a educadora Kátia Chedid.
Mais Sobre Kátia A. Kühn Chedid:
Educadora e especialista em Neurociência aplicada a Educação
Educadora há mais de 35 anos. Pedagoga, psicopedagoga, especialista em gestão escolar, com extensão em Neuropsicologia, participou de grupos de estudo em Neurociência na Faculdade de Educação da PUC-SP, na Escola Politécnica e na Faculdade de Educação da USP. Finalizando a especialização em Neurociência aplicada à Educação pela Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo. Em 2020 recebeu o Prêmio Special Tribute International, Categoria Best Practices in Education, and Health, Brazil-Europe, Projeto Cap Sur Ecole Inclusive d’Europe. O prêmio foi conferido pela European Commission Erasmus+.